terça-feira, 3 de agosto de 2010

Especialistas discutem na Capital influência da biologia no perfil violento

Evento analisa até que ponto a ação criminosa pode ser elucidada pela ciência médica
Humberto Trezzi | humberto.trezzi@zerohora.com.br

Até que ponto a formação do cérebro de uma pessoa, seus hormônios e seu funcionamento determinam se ela será criminosa? É para tentar solucionar esse dilema – ou refutar esse tipo de hipótese, mais do que controversa – que especialistas em genética, psicologia, sociologia e neurologia estão reunidos desde ontem em Porto Alegre, debatendo ciências no auditório do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ciência e polêmica, polêmica e ciência, uma não vive sem a outra. Intitulado Biologia e Sociologia da Violência – Uma Abordagem Transdisciplinar, o simpósio retoma os debates que marcaram a recente iniciativa de um grupo de pesquisadores gaúchos em mapear fatores neurológicos e genéticos que podem levar infratores a cometer delitos.

Não por acaso, entre os palestrantes do simpósio, encontram-se os autores da ousada proposta, que nasceu sob o signo da discórdia: o geneticista Renato Zamora Flores, da UFRGS, e o neurologista Jaderson Costa da Costa, da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS). Eles estão investigando, há dois anos, aspectos que possam levar um adolescente a se comportar de maneira violenta. Isso é feito mediante exames neurológicos, genéticos, psiquiátricos e entrevistas com 50 jovens internos da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Estado (Fase). No fundo, querem verificar se esses infratores apresentam distúrbios neurológicos que contribuíram para colocá-los atrás das grades, em função de crimes cometidos.

Especialistas criticam determinismo biológico

A pesquisa está em andamento, mas desde o início foi tachada de “preconceituosa” e de flertar com o determinismo biológico – um tipo de teoria que sustenta que alguns sujeitos nascem predispostos a determinados comportamentos, tese que muito agradava a alguns ditadores, como Adolf Hitler. Um dos que se postaram contra testes com jovens delinquentes para verificar uma determinante biológica para os crimes é o psiquiatra gaúcho Luís Guilherme Streb, que atuou durante três anos na Fase.

– Fatores orgânicos, genéticos e neurológicos existem, mas têm um peso ínfimo, desprezível, se comparados com influências familiares e psicossociais, na formação do criminoso. Em vez de examinar cérebros e genoma desses jovens, seria preferível que esses médicos atuassem alguns anos na Fase, atendendo esse pessoal – criticou Streb, ao saber da pesquisa de Flores e Costa.

Streb mantém suas restrições, mas admite que o cérebro pode ser influenciado para cometimento de crimes. A determinação genética é total, no caso dos psicopatas. E drogas como o crack vieram a alterar o cérebro dos delinquentes – mas são uma influência externa, não um fator genético ou hormonal, como os que a pesquisa com jovens da Fase pretende identificar. Apesar das críticas, o psiquiatra elogia a disposição dos geneticistas e neurologistas em fazer um simpósio para discutir a questão.

Conciliação e não polêmica é o que pretende o simpósio, garante o organizador da série de palestras, o geneticista Francisco Salzano, da UFRGS – também vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências na Região Sul. Exemplo disso é que, em paralelo com neurologistas falando de pesquisas do cérebro criminoso, psicólogos terão espaço para abordar precauções que o poder público e as famílias devem tomar para impedir os crimes. Tudo, esperam os participantes, na mais perfeita harmonia. Serão 20 palestrantes, 150 participantes e transmissão direta pela internet de todas as palestras, para quem não puder comparecer ao pequeno auditório do Departamento de Genética.

– O tema violência se faz presente em muitos eventos, mas faltava essa abordagem transdisciplinar sobre esta questão – conclui Salzano, um dos decanos da ciência no Rio Grande do Sul.

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