Os “novos movimentos sociais” e as novas abordagens
marxistas
Seguindo
as tradições clássicas da sociologia marxista, Claus Offe desenvolve estudos
referentes à crise da sociedade capitalista e do trabalho. Esse autor alemão,
assumidamente marxista, incorpora novos elementos — como, por exemplo, aspectos
socioculturais — às suas análises sobre a conjuntura sociopolítica no
capitalismo avançado. Pelo fato de apresentar uma nova visão às tradicionais
abordagens marxistas, Offe é considerado um autor neomarxista ou pós-marxista.
Ele avança em alguns pontos deixados de lado pela Escola de Frankfurt,
principalmente no que concerne à teoria crítica de Habermas (GOHN, 2004).
Elegendo
a Alemanha — seu país de origem — como local privilegiado para seus trabalhos,
Claus Offe desenvolveu estudos que priorizavam o debate sobre a decadência do
Welfare State e o desen- volvimento da crise capitalista, além das incertezas
dos partidos políticos ocidentais e autoritários. Refletiu também sobre a
transição que assolava a esquerda européia, assim como sobre os problemas
estruturais e as perspectivas para o futuro da sociedade do trabalho. Em cada
uma dessas múltiplas área s de análise, tentava incorporar fatores dialéticos,
materiais e simból icos. A observação de Offe parece bastante providencial:
Um
novo subjetivismo sociológico, evidenciado em
uma
série de abordagens interpretativas que represen-
tam
mais que um mero modismo, pesquisando o co-
tidiano,
analisando a vida e o espaço vital, rompe evi-
dentemente
com a concepção de que as experiências
feitas
na esfera do trabalho e nas condições aí predo-
minantes
possuiriam um poder de alguma forma privi-
legiado
na determinação da consciência e da ação so-
ciais
(OFFE, 1989, p. 17).
Caracterizando
a transição capitalista como desorganizada e conflituosa, Offe (1989)
demonstra, ancorado em Habermas, que a situação do trabalhador nesse contexto é
mais variável e dependente das políticas estatais e de trabalho no campo
social, e menos das arti- manhas empresariais e da automatização e
racionalização da produção que sacrificam aquele que vive do trabalho.
Parte
de sua abordagem sobre as esferas do trabalho mostra que ele normalmente é
constituído por forças externas ao próprio trabalhador, o que pode gerar
dúvidas quanto à eficiência das análises macrosociológicas clássicas referentes
às estruturas de formação das
classes sociais
(OFFE, 1989). O autor ainda argumenta que esse tipo de pesquisa freqüentemente
gera limitação dos modelos de sociedade “centrados no trabalho”, que são sublinhadas
genericamente nas análises que evidenciam apenas o aspecto socioeconômico.
Normal- mente, comenta Offe (1989), as variáveis que incidem sobre esse mo-
delo de estudo são inapropriadas para uma assimilação completa das sociedades
industriais do Ocidente.
Existem
algumas formas de conflito e ações coletivas nas sociedades industriais que
ultrapassam os limites estreitos das abordagens tradicionais que destacam
apenas os aspectos econômicos e estruturais como fim último. O autor alerta que
existem situações e
formas de conflitos
sociais e políticos e que as ações coletivas ultrapassam as percepções
estabelecidas por algumas teorias sobre o trabalho e o capital. Offe (1989)
deixa claro que essas formas peculiares de conflito ocorrem normalmente quando existe
uma mescla de frentes de conflito referenciados pelo trabalho com conflitos não
referenciados pelo trabalho.
Observando
os cenários atuais de publicação e pesquisa nas ciências sociais, Offe (1989)
ob serva que parte considerável dos trabalhos centrados nos debates sobre os
modelos de ação coletiva no capitalismo industrial e sobre a atividade
remunerada nesse contexto
assenta-se em bases
intelectuais conservadoras.
Segundo
o autor alemão, cientistas sociais “filiados” ao materialismo histórico ou à teoria
crítica mostram, de modo incisivo, que os trabalhos clássicos da Escola de
Frankfurt abandonaram premeditadamente as análises centradas nas estruturas,
nos conflitos e nas perspectivas de desenvolvimento do trabalho social, para
dedicarem-se a um “espaço vital” a ser protegidos de usurpações econômicas e
políticas (OFFE, 1989).
Todavia,
continua Offe (1989), pesar das abordagens sinalizarem progressos efetivos, é
necessário, por outro lado, considerar os problemas resultantes das conjunturas
políticas e econômicas como objetos da pesquisa sociológica. Ainda é
necessária, para o autor, uma justificativa intelectual sobre o deslocamento do
ângulo de interesse da pesquisa sobre as ações coletivas.
Em
concomitância com esses diferentes modelos teóricos de análises, aparecem os
denominados “novos movimentos sociais”, que utilizam diferentes estratégias de
ação coletiva. Parte considerável dos militantes é constituída por pessoas com
nível cultural elevado, bem informadas e que não possuem histórico de militância
em outros movimentos políticos, mas que lutam por objetivos comuns. Assim
sendo, as novas demandas sociais e ações
coletivas não se restringem apenas aos ativistas; elas se fragmentaram pela
sociedade como um todo.
Não
obstante, Offe (1989) revela que o comportamento dos novos ativistas sociais
pode ser classificado como extra-institucionais, uma vez que não atuam em nome
de uma doutrina política definida como revolucionária. O princípio motivador da
criação dos novos movimentos sociais surgiu a partir de problemas ideológicos
encontrados na vida cotidiana e da construção de uma identidade coletiva desses
novos atores sociais, que buscavam a complementação dos seus direitos sociais e
democráticos (GOHN, 2004). Por isso mesmo, completa Offe (1989), reivindicavam
junto às elites políticas dirigentes questões que são particulares e de
interesse restrito àq uele determinado tipo de movimento.
Conseguindo
perceber diferenças ideológicas e estruturais entre os tipos de ação coletiva,
o autor dividiu os movimentos em dois paradigmas distintos, que expressariam a
concepção política de cada um deles. A divisão obedeceria ao seguinte critério:
o tradicional, que se iniciou após a Segunda Grande Guerra, e o recente,
surgido a partir da década de 1970 (GOHN, 2004).
O
que caracterizava o primeiro momento, representado pelo Welfare State, eram as
políticas de promoção da seguridade social, cabendo aos atores sociais
envolvidos no processo atuarem como grupos de interesse econômico. Essa atuação
poderia ser pensada de duas maneiras: internamente, nas organizações,
associações representativas ou, externamente, em intermediações corporativistas
de interesses grupais e na competição eleitoral entre partidos políticos (GOHN,
2004).
Por
outra parte, o novo modelo de ação coletiva,
apresentado nos anos de 1970, é constituído de uma miríade de instituições que
buscavam conquistas particulares, voltadas para suas áreas de interesse. O
conjunto das diferentes formas de ação coletiva recebeu o nome genérico de
novos movimentos sociais. Entre eles, pode-se lembrar de alguns, tais como:
movimento de estudantes, movimento de mulheres, de homossexuais, pela liberação
sexual, movimento verde, de minorias, pela paz, entre tantos (GOHN, 2004). Como
dito anteriormente, os novos movimentos sociais se constituíram em espaços
políticos não-institucionalizados, que transbordam o Estado de Bem-Estar
Social, reinventando uma nova forma de atuação.
Em
síntese, o argumento central de Offe mostra que os novos movimentos sociais e
seus empreendimentos coletivos surgem como respostas estruturadas dentro de uma
recente ordem. Seus desejos incontidos de expressão procuram reconhecimento com
interlocutores responsáveis e credenciados a atuarem na esfera pública e
privada em nome daqueles que representam. Compartilhando a mesma idéia com
Richard Sennett (2006), Offe mostra que os novos movimentos sociais funcionam
como críticos audazes do processo de modernização forçada em pauta na cultura
do novo capitalismo.