segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Preconceito e o Mito da Democracia Racial no Brasil





                Contrariando o senso comum, que nos ensinou ao longo dos anos que a sociedade brasileira é o resultado da mistura das raças aqui reunidas e nos ajudou a construir a auto-imagem do Brasil como país homogêneo e indiferenciado, as políticas de ação afirmativa têm suscitado uma grande discussão. A que tem causado a maior polêmica, sem dúvida, é a política de cotas. Isto é, a polêmica só aparece quando as cotas são destinadas aos afro-descendentes e indígenas. Porque as cotas já vêm sendo adotadas em vários segmentos da sociedade.
                Temos cotas para deficientes, idosos (no transporte rodoviário) e mulheres. Aparentemente o problema não reside na política de cotas em si mesma e sim para quem as cotas estão sendo destinadas. Para DOMINGUES, “a discussão das cotas já tem o mérito de revelar a cara e a voz do nosso racismo.” A inclusão da questão das desigualdades étnico-sociais históricas da sociedade brasileira na agenda pública nacional (e também na internacional) ganhou substância em 2001 quando dos preparativos para Conferência Mundial Contra o Racismo (CMR) na África do Sul, onde o debate público se intensificou. A exclusão do afro-brasileiro já não é mais um mito, as estatísticas não permitem disfarçar que a diferenciação existe. Portanto a democracia racial brasileira tão propalada, através de muita luta do movimento negro, está sendo posta em cheque e o reconhecimento do caráter pluriétnico da sociedade pelo governo. Essa é a essência da questão, a desmistificação da democracia racial brasileira, esta não existe nem nunca existiu e o governo no âmbito dos seus três poderes tem promovido esse reconhecimento através de ações de discriminação positiva.
(Adaptado de O fim do mito da democracia racial brasileira: Sociedade miscigenada x sociedade pluriracial)

Cidadania e movimentos sociais



Os Direitos Sociais têm por finalidade permitir que as pessoas disponham de serviços que garantam uma mínima qualidade de vida.
A Revolução Industrial é um evento marcante não só para o avanço da tecnologia e consolidação do capitalismo, mas também para o surgimento de direitos dos cidadãos. O grande impacto das alterações que proporcionou ao mundo e a substituição de trabalhadores por máquinas gerou uma onda de desemprego, o que deixou grande parte da mão-de-obra desocupada. Essa onda de desemprego que se formou ao longo do processo resultou em um grande número de indivíduos vivendo na linha da miséria. Por outro lado, a parte extremamente beneficiada pela Revolução Industrial vivia em condições radicalmente diferenciadas, ou seja, houve um aguçamento da desigualdade social. O Estado se deparou com uma situação preocupante, o volumoso número de pessoas na extrema pobreza, o pauperismo. Esses indivíduos deixavam, inclusive, de compor o exército de mão-de-obra capitalista que, para o funcionamento do sistema, é necessário que esteja desempregado. Como essas pessoas estavam abaixo da condição mínima de sustentar o sistema, a situação gerou um grande ônus ao Estado.
Para contornar esse problema na sociedade, o pauperismo, o Estado precisou intervir e proporcionar um mínimo de proteção aos trabalhadores, garantindo que eles tivessem condições de, pelo menos, integrar o sistema. Entretanto, nessa fase inicial, o Estado caminhou junto com movimentos sociais de assistencialismo aos desvalidos. O oferecimento e a prática de serviços que garantissem seguridade social seriam conquistas posteriores. O sociólogo alemão T. H. Marshall argumenta que, na Europa Ocidental, houve uma conquista gradual e consecutiva de direitos. O primeiro deles teria sido o Direito Civil, conquista do século XVIII. O Direito Político teria sido o próximo, pertinente ao século XIX. E o Direito Social teria sido o último deles a ser alcançado, durante o século XX. O somatório dessas três conquista (Direitos Civil, Político e Social) resultaria no que consideramos como Cidadania.
O Direito Social, de fato, é fortemente relacionado com o século XX muito em função dos impactos do marxismo e do socialismo. Essas correntes ideológicas incentivaram movimentos sociais no mundo ocidental criando um cenário no qual os trabalhadores buscavam por seus direitos questionando as questões da divisão do trabalho e do capital. O Estado reagiu ao chamado movimento operário do século XX ofertando proteção social. Mas pesquisas atuais estão demonstrando que a população, antes disso, já se organizava autonomamente em associações para o preenchimento de tais lacunas. Foi prática muito comum nas décadas finais do século XIX e na primeira metade do século XX a participação dos trabalhadores em associações de caráter mutualista, as quais eram provedoras de certas seguridades sociais em um cenário deficiente de políticas públicas por parte do Estado. As mutuais proporcionavam, em geral, assistência em caso de doenças, acidentes, aposentadoria e falecimento, concedendo, neste caso, pensão à família, além de educação, amparo jurídico e ambientes de lazer. Sendo assim, tais instituições eram provedoras de elementos que viriam a fazer parte dos Direitos Sociais que o Estado tentaria garantir. Não só o movimento operário tido como de resistência, ou seja, o sindicalismo, mas o movimento mais ameno, que é o mutualismo, influenciaram para que o poder público assumisse uma posição mais presente no que diz respeito à concessão de Direitos Sociais.
Os Direitos Sociais são uma grande conquista dos trabalhadores no século XX, que, embora tenham repercutido com mais notoriedade em tal momento, fazem parte de um processo de longo prazo e que exige alto investimento. Para proporcionar uma vida digna ao cidadão ou, como diz T. H. Marshall, permitir que ele tenha uma vida de ser civilizado, o Estado deve garantir o direito à vida, o direito à igualdade, o direito à educação, o direito de imigração e emigração e o direito de associação. A atual Constituição Brasileira, de 1988, por exemplo, estabelece que são Direitos Sociais o acesso à educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social e a proteção à maternidade, à infância e aos desamparados.

OS MOVIMENTOS SOCIAIS

“Os movimentos sociais, na pratica, são a representação da sociedade como organização, que os utiliza como instrumentos de ação num contexto histórico especifico. O conflito de classe e os acordos políticos são, conseqüentemente, canais dos movimentos para atingir seus fins.”
“O movimento deixa de ser apenas a expressão de uma contradição socioeconômica, e acaba sendo responsável pela detonação e pelo desenvolvimento dos embates de grandes proporções.”
Teoricamente podemos classificar os movimentos sociais em três categorias:
1) movimentos reivindicatórios; são movimentos presos a reivindicações imediatas, esforçam-se em pressionar instituições para alterar dispositivos que teoricamente lhes favoreciam. Têm um horizonte sem dúvida limitado, considerando que seus fins são relativamente simples e não vão além de demandas pontuais especificas. Ex. “Estou no vermelho” movimento de greve dos professores da Uel por melhorias salariais.
2) Movimentos políticos; tenta influenciar nos meio utilizados para se atingir os caminhos condutores a participação política direta. Também se esforçam, no decorrer do processo para mudar a correlação de forças, influindo nos grandes debates travados com outros grupos adversários. Ex. Movimento das Diretas Já! 1984.
3) Movimentos de classe; seu intuito seria o de subverter a ordem social de um período determinado e, conseqüentemente, transformar as relações entre os diferentes atores do contexto nacional, assim como os meios de produção, fazendo avançar as exigências da classe em ascensão, em superação histórica e na sua pressão para se posicionar como elemento hegemônico no processo econômico e político do país. Ex. MST (movimento dos trabalhadores rurais sem-terra)

(Fonte: MAURO, Gilmar e PERICÁS, Luiz B. Capitalismo e Luta Política no Brasil na virada do milênio, ed. Xamã, SP:2001.)

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
Para conhecermos como é um movimento social, vamos nos apoiar no livro de Ilse Scherer-Warren, Movimentos sociais, uma interpretação sociológica, destacando os elementos que compõem o campo de analise: o projeto, a ideologia e a organização.

O projetoO projeto significa a proposta de um movimento, que pode ser, como vimos, de mudança ou de conservação das relações sociais, assim, todo movimento social contém um projeto, e quando nos perguntamos qual o projeto de um movimento, estamos pensando em seus objetivos, em suas metas, enfim, no que o movimento pretende.
Para um movimento social atingir os objetivos a que se propõe, é necessária uma certa estratégia, procedimentos adequados que possibilitem o sucesso da ação coletiva. Ao mesmo tempo em que o projeto revela o desejo, a intenção de um movimento, ele nos mostra como os seus participantes se vêem – o que demonstra a consciência de sua força, bem como a força de seu adversário, contra quem o movimento se dirige.
A complementação dessas idéias sobre o projeto, ou da apreensão de seu conteúdo, deve ser feita levando-se em consideração a analise dos outros elementos.

A ideologiaA ideologia corresponde às idéias que os homens fazem da sociedade em que vivem. Quando elas expressam “corretamente” as relações existentes, mostrando os interesses que animam as relações, podemos dizer que a ideologia se constitui num instrumento de luta dos grupos sociais. Se, ao contrario disso, as idéias não correspondem a realidade das relações de opressão existentes, poderemos dizer que se trata de um “falsa consciência”. Nesse sentido, a ideologia atuaria como uma forma de massacramento das reais condições de opressão, atendendo, por conseguinte, aos interesses dos grupos dominantes.
É a ideologia que fundamenta os projetos e as praticas dos movimentos e define o sentido de suas lutas. A própria forma de organização e direção de um movimento revela seu caráter ideológico.

A organização
Os movimentos sociais possuem uma organização hierárquica que pode ser descentralizada ou comum a estrutura definida com lideres e demais participantes do movimento.
A forma de organização de um movimento social tem conseqüências importantes com relação a sua dinâmica interna e externa. Internamente, observa-se que uma organização sem a devida hierarquia entre liderança e base pode favorecer um certo espontaneismo das ações, o que levaria a falta de controle do movimento, resultando em seu próprio prejuízo. Por outro lado, uma organização fundada num corpo de lideres afastados da base pode ser conduzida a praticas autoritárias e elitistas, com os demais participantes desempenhado o papel de “massa de manobra”.

Movimento operário e sindicalismo



Na Europa, as atividades de formação sindical e/ou operária desenvolveram-se já a partir do século passado. A preocupação com a educação permanente e com a difusão da cultura vem do exemplo das University Extensions ou das Universidades populares dinamarquesas, criadas na metade do século XIX e que se desenvolveram também em outros países entre o fim do século XIX e o início do século XX. É importante salientar que a formação sindical, além de adaptar-se às exigências e às formas de cada organização sindical, é, em geral, fortemente condicionada pela relação entre os intelectuais e a sociedade.
É interessante frisar - em uma breve retrospectiva histórica - que num país como a França, até 1914, o problema da formação operária ocupa um lugar relativamente secundário na vida sindical. O estudo e a cultura não constituem ainda "centros de reflexão autônomos". São preocupações ocasionais que surgem por conta da formação técnico-profissional. A partir de 1919 nos congressos promovidos pelas centrais sindicais (C.G.T. - Confédération Générale du Travail - e C.F.T.C. - Confédération Française des Travailleurs Chrétiens) o problema da formação põe-se principalmente nos relatórios apresentados pelos militantes. Surgem ainda as "sessões confederais de estudos e práticas sindicais" e as escolas normais operárias - em duas ou três regiões de Lyon e Paris. Em 1932, a C.G.T. cria o Centro Confederal de Educação Operária que dá origem, em Paris, a um Instituto Superior Operário, e aos Colégios do Trabalho noutras regiões. Entre 1948 e 1950, cada central sindical coincidentemente está preocupada com a instalação e normalização das suas estruturas educativas. Disto decorre "o fato de cada central sindical valorizar os problemas da formação pelo estudo, considerada como uma das duas ou três condições fundamentais para a existência de um sindicalismo forte. Por conseqüência, assiste-se ao acabamento da constituição dos dispositivos de formação. No plano nacional, são as três escolas centrais: de Bierville para a C.F.T.C., de Courcelles para a C.G.T. e da Avenida do Maine, em Paris, para a F.O. Cada central define igualmente toda uma política educativa, com aspectos comuns a todas [...] mas também com aspectos particulares a cada uma" (DAVID, 1974, p. 291). Em 1956 foram criados os Institutos Universitários do Trabalho e entre 1960-61, "o movimento operário, ao mesmo tempo que acentua o seu esforço de educação dos militantes, situa-se de maneira cada vez mais clara dentro de uma perspectiva cultural alargada. [...] Em resumo, as organizações sindicais estão de acordo em estar presentes nas instâncias que contribuem para a realização da política de desenvolvimento cultural" (DAVID, 1974, p. 292-293).
Ao instituir a idéia da formação permanente, o movimento sindical cumpriu uma função proeminente, sobretudo quando se realizou o entrelaçamento entre movimento operário e movimentos de caráter intelectual. Assim, na França teve um papel decisivo o movimento que legaram intelectuais e trabalhadores em 68 e que levou aos acordos de Grenelle entre governo e sindicatos, que deram início à legislação sobre formação permanente e a formação profissional contínua. Desse modo, os trabalhadores podem gozar de licenças remuneradas até seis meses por ano, a cargo do fundo para a formação. E também pode ser reconhecida a experiência de trabalho como título para ter acesso à universidade, mesmo quando não tenham obtido o título de estudo de escola de 2º grau.
Legislações e apoios não podem ser explicados simplesmente por uma espécie de colaboração e reformismo. Na realidade, a sensibilidade e o aguerrimento dos sindicatos e dos intelectuais envolvidos foram determinantes para experiências tão importantes. Em países como a Bélgica, a França, a Alemanha, a Grã-Bretanha e a Suécia os sindicatos gozam de licenças remuneradas, tuteladas pela lei, para participar das atividades de formação sindical. As licenças remuneradas em alguns casos referem-se a todos os trabalhadores, enquanto em outros lugares existem para quem desenvolve atividade sindical a partir dos membros dos comitês de empresa, com um número de horas mais ou menos extenso e com a possibilidade a mais de um país de usufruir de licenças ainda mais amplas para quem desempenha a própria militância sindical como formador. Ainda entre os países referidos anteriormente, existem formas de apoio à formação sindical. Em alguns países "existem contribuições específicas para a formação desenvolvida pelos sindicatos, em outros as formas de apoio são em geral para a educação permanente e para os adultos, nos quais entram também os centros de formação sindical [...]" (MEMO, s/d, p. 8-9).
Na Grã-Bretanha, a relação entre movimento sindical, universidade e escola pública tem uma tradição bem mais longa, que parte da instituição do Ruskin College em Oxford em 1899, com o apoio dos sindicatos e que se amplia de maneira significativa depois de 1920, quando a "Universidade de Nottingham em primeiro lugar dá início a uma faculdade aberta, cujo objetivo não é o de conceder títulos de graduação, mas de promover a educação permanente na sociedade. Em 1922, também em Nottingham institui-se a primeira cadeira de educação de adultos" (MEMO, s/d, p. 7). Hoje, apesar da ação dos governos conservadores ao longo dos anos oitenta, que reduziu os fundos à disposição da formação sindical, na Grã-Bretanha "382 são os tutores contratados pela universidade e colleges, que dedicam a maior parte do tempo aos cursos sindicais: tanto nos institutos superiores, técnicos e políticos, onde se desenvolvem os cursos com licença remunerada para os representantes de departamentos e os funcionários da segurança nos locais de trabalho, [...] como nas universidades onde se desenvolvem outras atividades em colaboração com o sindicato" (MEMO, s/d, p. 7).
As necessidades de formação não diminuem com o aumento do nível de instrução, mas, ao contrário, crescem. De acordo, com Roger Cantigneau, responsável pela formação sindical da Confederação dos sindicatos cristãos belgas, "com o aumento dos níveis de instrução hoje, os trabalhadores não aceitam mais seguir as indicações dos grupos dirigentes do sindicato sem discutir a fundo as razões; é, além disso, impensável um maior papel dos organismos de representação das empresas sem fornecer a eles os instrumentos culturais e informativos necessários" (MEMO, s/d, p. 10). No caso belga tanto a Confederação dos Sindicatos Cristãos - CSC quanto a Federação Geral dos Trabalhadores da Bélgica - FGTB, estão empenhadas em atividades culturais, formativas e de pesquisa e é interessante observar que sozinhas representam mais de 90% dos trabalhadores.
No Brasil, a preocupação educacional no movimento operário-sindical inicia-se com as propostas educativas dos libertários, particularmente dos grupos anarco-sindicalistas, englobando os anos 1902/1920. O projeto educativo dos libertários tinha três dimensões que se ligavam entre si: a educação político-sindical, a educação escolar e as práticas culturais de massa. Sílvia M. Manfredi, em um texto fundamental sobre experiências e práticas de educação dos trabalhadores brasileiros7, destaca que a concepção educacional anarquista "articulava as práticas educativas [...] com outras práticas no campo cultural e do lazer, de caráter massivo e popular. Teatros, festivais de música e poesia, piqueniques eram constantemente promovidos pelos libertários nos bairros operários dos centros industrializados da época" (MANFREDI, 1996, p. 25-26).
Sílvia M. Manfredi enfatiza sobretudo no projeto de educação dos libertários o seu "caráter globalizante" (aspectos culturais, educativos e libertários) que o caracterizava "como um projeto de educação classista [...] voltado para a emancipação político-ideológica e cultural da classe operária". Dessa forma, os libertários propuseram a construção de um "projeto educativo singular, próprio e autônomo" (MANFREDI, 1996, p. 26).
Entre 1945 e 1950, cabe ressaltar as iniciativas de educação sindical assumidas por partidos e organizações de esquerda. Nesse sentido, a atuação e as propostas do Partido Socialista Brasileiro, bem como a surpreendente recriação da universidade popular dos anarquistas em 1945, são tópicos essenciais nesse período. Do mesmo modo, a presença do PCB no movimento operário-sindical é de fundamental relevância. O que se percebe no partido é o nítido privilégio conferido à formação político-partidária (formação de quadros), à qual se resumia, em última análise, sua prática de "educação sindical" (cf. MANFREDI, 1996, p. 45-66).
Vale realçar a experiência das escolas do PCB no que tange sobre a pedagogia comunista. E é bom destacar, entre outras coisas, a desvinculação entre partido e bases e a desqualificação dos próprios dirigentes sindicais - chamados de "sindicaleiros" -, dando uma mostra da visão de educação do PCB.
Em matéria de educação sindical multiplicaram-se por todo o Brasil - no período compreendido entre as décadas de 70 e 80 - experiências de formação em sindicatos de setores mais organizados e ativos na condução do movimento (metalúrgicos, químicos, bancários, petroleiros etc.), assim como os sindicatos passaram a organizar seus departamentos de educação e cultura e a ensaiar programas mais articulados de formação sindical. Cabe salientar as experiências levadas a efeito nesse período nos seguintes sindicatos: Metalúrgicos de São Paulo (São Paulo), Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (São Paulo), Metalúrgicos da Baixada Santista (Santos/SP), Metalúrgicos de Monlevade (Minas Gerais), Bancários de São Paulo (São Paulo), Telefônicos (Minas Gerais), Químicos de São Paulo e do ABC (São Paulo), Sapateiros (Franca/SP); entre as federações destacaram-se as dos trabalhadores rurais de Minas Gerais (Fetamg), Pernambuco (Fetape) e a Federação da Alimentação do Rio Grande do Sul. Entre as confederações, há que se evidenciar a importância do trabalho desenvolvido pela Contag. Entre os grupos de oposição sindical há que se fazer referência à experiência da OSMSP - Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (cf. MANFREDI, 1996, p. 115-117).

Cultura popular e cultura erudita



Estudaremos, agora, uma questão que continua em discussão nas ciências sociais, que é a existência de duas formas específicas de cultura em nossa sociedade: a cultura popular e a cultura erudita.
O que seria erudito? O que seria popular? O que distinguiria o popular do erudito? A que grupo ou classe social poderíamos associar cada um desses conceitos? Haveria algum critério de valor a separar esses conceitos, isto é, seria possível ou correto compará-los e julgá-los? O “popular” relaciona-se ao povo; o “erudito”, à elite (ou classe dominante, se preferirmos). Essa seria, sem dúvida, a associação mais imediata a ser feita com esses conceitos. Mas para fazer ou não essa associação é preciso analisar os porquês daquela oposição inicial. Por que distinguir dois tipos de cultura e dar a eles valores diferenciados?
A questão da existência de uma cultura popular versus uma cultura erudita implica modos diferenciados de ser, pensar e agir, associados aos detentores de uma ou de outra cultura. Falar em cultura popular significa falar, simultaneamente, em religião, em arte, em ciência populares – sempre em oposição a um similar erudito, que pode ser traduzido em dominante, dada a dimensão dicotômica (dominante versus dominado) que caracteriza a sociedade capitalista.
Mas como defini-las e distingui-las? A pergunta permanece. Há autores, como veremos adiante, que dizem já não ser possível pensar em cultura puramente popular ou puramente erudita numa sociedade como a nossa, integrada e padronizada pela cultura de massa, ou indústria cultural. Outros autores discordam dessa postura, diferenciando não duas, mas três culturas, em constante inter-relação: a cultura popular, a cultura erudita e a indústria cultural, esta última muitas vezes atuando como uma espécie de ponte entre as duas primeiras. Mas, por enquanto, tentemos nos fixar especificamente na discussão ainda não resolvida, como já foi dito, referente à compreensão do erudito e do popular na contraditória sociedade capitalista que vivemos.
Cultura erudita e cultura popular: o que são e quem as produz?
Definir cultura erudita aparentemente não ocasiona grandes problemas. Ao pensarmos em cultura erudita, quase automaticamente a associamos ao plano da escrita e da leitura, do saber universitário, dos debates, da teoria e do pensamento científico. Já definir cultura popular não é assim tão simples. Na verdade, definir cultura popular representa uma polêmica que cientistas sociais, historiadores e pensadores da cultura em geral mantêm até hoje. E, se essa polêmica ainda existe, é possível concluir que há várias definições de “popular”.
Ao pensarmos em cultura erudita, imediatamente concluímos que seus produtores fazem parte de uma elite política, econômica e cultural que pode ter acesso ao saber associado à escrita, aos livros, ao estudo. A resposta já não é tão imediata quando perguntamos quem são os produtores da cultura popu1
lar. Mas afirmar que os produtores da cultura erudita fazem parte de uma elite não significa dizer que essa cultura seja homogênea. Para os antropólogos Gilberto Velho e Eduardo Viveiros de Castro, é impossível definir cultura erudita, porque não podem ser homogeneizados os elementos culturais produzidos por intelectuais, fazendeiros, empresários, burocratas, etc. Porém, é igualmente impossível definir cultura popular, dadas as produções culturais diferenciadas de camponeses, operários, classes médias baixas, etc.
De qualquer forma, não podemos perder de vista que o espaço reservado na sociedade para cada uma das duas culturas é bastante diferenciado. Enquanto a cultura erudita é transmitida pela escola e confirmada pelas instituições (governo, religião, economia), existe uma outra cultura que não se encontra nos esquemas oficiais. Mas onde está essa cultura? Para descobrir o seu lugar, pensemos nas definições que os estudiosos têm dado ao conceito de cultura popular. O historiador inglês Peter Burke define a cultura popular como uma cultura não oficial, do povo comum. Nesse sentido, o autor segue o pensamento de Antonio Gramsci, para quem a cultura popular é a cultura do povo, e os seus produtores são as classes subalternas. Para Gramsci, a cultura popular, por ser ligada à tradição, é conservadora. No entanto, por ser capaz de incorporar e reconstruir novos elementos culturais, é também inovadora.
Segundo o antropólogo brasileiro Carlos Brandão, quem faz cultura popular ou folclore (voltaremos mais tarde a esse conceito) nem sequer imagina que o que faz tem um outro nome, tem uma ou outra definição, causa ou não causa polêmicas entre intelectuais. As populações que os estudiosos aproximariam do conceito e da prática da cultura popular (ou do folclore) vivem, têm suas atividades cotidianas, divertem-se, têm suas maneiras de ver o mundo e entender a vida, cantam, dançam, sentem e trabalham. Essas coisas seriam cultura popular? Essas coisas seriam folclore, ou, como Brandão ouviu em suas andanças pelo interior do Brasil, “focrore”?
Além disso, talvez seja importante refletir sobre mais uma última questão: que pessoas se interessam por essas definições? E aqui a resposta é rápida: mais do que aos próprios produtores da chamada cultura popular, essas questões interessam aos estudiosos, que, por sinal, numa associação mais imediata, seriam associados à elite e à esfera da cultura erudita, já que lêem, escrevem e debatem.

Cultura popular e cultura erudita: conflito e incorporação
A questão presente em todos esses movimentos culturais, dos mais antigos aos mais recentes, refere-se à real definição do popular e do erudito. Se o popular fosse considerado exclusivamente como tradição e, portanto, como algo a ser conservado e protegido, introduzir guitarras elétricas no que se convencionou chamar de “música popular brasileira” seria inaceitável (e, de fato, isso causou escândalo na década de 60, quando o Tropicalismo e mesmo a Jovem Guarda de Roberto Carlos surgiram – e com eles, as guitarras, os cabelos compridos, as calças apertadas).
o 1Se, por outro lado, o erudito significasse somente aquilo a que se convencionou chamar de “belas-artes”, música e teatro clássicos, não se poderia pensar na transcrição para a linguagem plástica, escrita e musical de imagens, poemas e canções do folclore (e estes, por sua vez, só seriam folclore, ou cultura popular, se fossem passados oralmente, de pai para filho, sem alterações, ao longo dos séculos).
Como sabemos, nada disso acontece. Numa sociedade complexa como esta em que vivemos, não é possível ignorar as inter-relações estabelecidas entre a cultura erudita e a cultura popular e sua importância no próprio estabelecimento e manutenção da sociedade. A cultura erudita procura compreender e incorporar elementos da cultura popular (segundo muitos autores até para melhor dominá-la). Isso não significa, porém, que a cultura popular não resista a essa incorporação e não incorpore e reelabore, ela mesma, elementos tradicionalmente associados à cultura erudita.
Para compreender todas essas inter-relações é preciso pensar que todos os elementos enumerados no início do item “Cultura popular e cultura erudita no Brasil” – festas, literatura, culinária, religião, etc. – trazem em si a organização político-econômico-cultural do país, suas regras, suas contradições. Apesar de estarem associados imediatamente a uma certa visão do povo e da cultura popular brasileira, da elite e da cultura erudita, esses elementos não são necessariamente harmoniosos nem estão parados no tempo. Ao contrário, vão se transformando, ao longo da história e das relações sociais, num movimento dinâmico e incessante que é o que caracteriza o ser humano e a vida em sociedade.
Para ilustrar, poderíamos utilizar o exemplo da feijoada. Com o passar do tempo, ela deixou de ser comida de escravos e passou a ser um símbolo de nacionalidade, sendo servida não só nos restaurantes simples como nos requintados. Para compreender a cultura e seus significados, é necessário acompanhar as etapas de transformação de seus elementos, como no exemplo da feijoada, e tentar descobrir as suas causas. Existe uma tendência a se considerar tudo aquilo que se relaciona com a cultura popular como algo antigo, ultrapassado, que precisa acabar e dar lugar ao novo, ao moderno (em geral associado ao erudito). Curiosamente, muito do que se convencionou chamar de velho e ultrapassado é associado também à identidade nacional, isto é, àqueles elementos que fazem com que uma determinada população se identifique como um grupo de pessoas possuidor dos mesmos interesses, objetivos e visão de mundo; em resumo, que se identifique como nação. Esses elementos, se por um lado reforçam a identidade, por outro acabam estimulando a padronização de gostos, interesses e necessidades, fazendo com que as pessoas se esqueçam de que vivem em uma sociedade por definição contraditória, já que dividida em classes. A indústria cultural vai ser um elemento-chave para pensarmos nessas questões.

1- (UFU – Fev/2003) Uma das controvérsias mais presentes na análise dos diferentes conjuntos culturais das sociedades contemporâneas refere-se à existência de rituais e símbolos próprios das culturas populares em oposição a outros, classificados como próprios das culturas eruditas. Sobre tal oposição, assinale a alternativa INCORRETA.

A) As culturas populares caracterizam-se por rituais e símbolos produzidos por sujeitos sociais heterogêneos e culturalmente diversos, cujas práticas, muitas vezes, são dominadas nas relações com agentes do Estado, das igrejas e das empresas.
B) As culturas eruditas são unicamente aquelas expressões simbólicas produzidas com base nas tradições greco-romanas, resgatadas na arte do Renascimento e depois reproduzidas na Modernidade, mas que desapareceram com a Indústria Cultural.
C) As culturas eruditas são assim classificadas por serem próprias a sujeitos sociais ilustrados, que produzem culturas com linguagens e técnicas supostamente mais sofisticadas e complexas, que as observadas nas culturas populares.
D) As culturas populares, como expressões de sujeitos politicamente dominados nas sociedades capitalistas, têm seus rituais e símbolos apropriados pelos sujeitos dominantes, gerando as culturas populares massivas, consideradas sem erudição.

2 - (UFU – Jan/2004) Nos versos da canção Brejo da Cruz, reproduzidos abaixo, Chico Buarque constrói, poeticamente, um panorama de alguns sujeitos com identidades culturais facilmente sensíveis na sociedade brasileira.

A novidade / que tem no Brejo da Cruz / é a criançada / se alimentar da luz / Alucinados / meninos ficando azuis / e desencarnando / lá no Brejo da Cruz / Eletrizados / cruzam os céus do Brasil / Na rodoviária / assumem formas mil / uns vendem fumo /tem uns que viram Jesus / Muito sanfoneiro / cego tocando blues / Uns têm saúde / e dançam maracatus / uns atiram pedra / outros passeiam nus / Mas há milhões desses seres / que se disfarçam tão bem / que ninguém pergunta / de onde essa gente vem / São jardineiros / guardas-noturnos, casais / São passageiros / bombeiros e babás / Já nem se lembram / que existe um Brejo da Cruz / que eram crianças / e que comiam luz / São faxineiros / balançam nas construções / São bilheteiras / baleiros e garçons / Já nem se lembram / que existe um Brejo da Cruz / que eram crianças / e que comiam luz.