sábado, 27 de novembro de 2010

Sociólogo vê alarme exagerado com arrastões no Rio de Janeiro

Apesar dos arrastões registrados no Rio no fim de semana e nesta segunda-feira, o sociólogo Ignácio Cano diz que ainda é cedo para falar em uma “onda” de crimes do tipo.

Pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), ele prefere se ater às taxas oficiais de violência – que indicam queda na incidência de roubos nos últimos anos.

De acordo com Cano, a ideia de que os assaltos seriam uma retaliação de criminosos às Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), como afirmado nesta segunda-feira pelo governador Sérgio Cabral, ainda é mera especulação.

Clique Leia mais na BBC Brasil: Governo do Rio atribui arrastões a pacificação de favelas

O Rio vive em clima de tensão com uma série de assaltos a motoristas em vias da cidade e da região metropolitana desde o fim de setembro. Nos ataques, criminosos bloqueiam o trânsito com seus carros e assaltam motoristas e pedestres, às vezes levando seus carros ou mesmo ateando fogo a eles.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista com Cano:

BBC Brasil - Em sua opinião, a que se deve a onda de arrastões na cidade?

Ignácio Cano - Tenho ressalvas em relação a afirmar que temos uma onda de arrastões. Não há uma contabilidade oficial de arrastões, porque não é um termo técnico na área de segurança, e sim um termo difuso aplicado a um roubo em série.

Mas tem muito peso no Rio, porque remete àqueles arrastões na praia que geraram um pânico muito grande nos anos 1990. A praia é o lugar de lazer por excelência no Rio, e a ideia de que poderia se tornar um espaço perigoso teve um impacto muito grande na época.

Os arrastões remetem a esse mesmo temor. Mas, se você analisa o número de roubos, houve uma redução muito grande nos últimos anos. Acho que não precisaria desse nível de alarme social que está sendo criado.

BBC Brasil - O senhor acha que existe uma tendência à dramatização?

Cano - Sim, com certeza. As pessoas lidam com insegurança no Rio de forma cíclica e dramática. Para conviver com o alto nível de violência na cidade, as pessoas tratam como se ela não existisse. Mas, então, surge um evento de grande repercussão e vira uma pauta central na cidade, todos discutem, é uma grande catarse.


Importante é observar que houve queda na criminalidade, diz analista
Você pode escrever o histórico da segurança pública no Rio a partir desses eventos, como o ônibus 174, a chacina da Baixada, o caso do menino João Hélio, os traficantes no hotel de São Conrado.

Na verdade, o que acontece na cidade é muito mais amplo e muito mais grave, mas as políticas públicas são desenvolvidas em função desses grandes eventos, que estão sempre vinculados à classe média alta ou às áreas mais nobres. A atenção depende basicamente do perfil das vítimas.

Para democratizar a segurança pública, as políticas públicas devem vir não em função desses grandes eventos, quase sempre em áreas da zona Sul, e sim basear-se nas taxas de violência.

BBC Brasil - Nesta segunda-feira, o governador Sérgio Cabral afirmou que os arrastões são claramente uma reação ao cerco imposto aos traficantes pelas UPPs. O senhor concorda com essa teoria?

Cano - Não temos como avaliar. Pode ser ou pode não ser. Gostaria de ter uma contabilidade mais confiável para saber se é uma onda de arrastões ou não, e o que está aumentando. Para mim, é mais importante observar número de roubos que vem diminuindo do que o de arrastões.

É claro que, na zona Sul, o perfil do crime vem mudando com o avanço das UPPs. O tráfico perdeu o controle territorial e teve que mudar de estratégias. Mas não sabemos como isso está afetando esses grupos financeiramente. Se a coisa tiver apertando, o roubo pode ter passado a ser uma alternativa.

BBC Brasil - O reconhecimento de uma relação com as UPPs por parte do governo pode mudar algo nas estratégias de Secretaria de Segurança do Rio?

Cano - Acho que essa afirmação é uma forma de o governador dizer que isso está acontecendo porque estamos ganhando uma batalha maior. Como se fossem os efeitos colaterais, diante de um trunfo maior.

O perigo, aqui, é as classes médias acharem que a sua segurança está sendo comprometida por causa das UPPs.

Se passarem a acreditar que o investimento nas UPPs é contraproducente para quem não mora nas favelas, isso poder acabar com a sustentabilidade política do projeto. Sérgio Cabral sempre fez questão de associar a expansão das UPPs a benefícios também para o asfalto, justamente para não correr esse risco.

BBC Brasil - Tirar o tráfico das comunidades é um mérito reconhecido das UPPs. Mas o que precisa ser feito para erradicá-lo?

Cano - O objetivo das UPPs não é e nem pode ser erradicar o tráfico. Ninguém erradica o tráfico, ele existe na Dinamarca, no Canadá. A questão é conseguir reduzir os níveis da violência e de controle da população por grupos armados. Os moradores agora podem voltar para casa quando quiserem, andar pelos becos, não há confronto armado.

BBC Brasil - Diante da queima de carros e do lançamento de uma granada em um veículo da Aeronáutica, no domingo, alguns jornais falaram no uso de táticas de guerrilha.

Cano - Mas não se pode falar nisso aqui. Não há uma guerrilha que queira tomar o poder. O verdadeiro crime organizado não é o que vemos nas favelas, e sim o que está infiltrado em todos os Poderes. Esse crime organizado existe, e seu objetivo é parasitar o aparato do Etado para continuar extraindo lucros. Mas é outro nível, bem diferente de distribuir papelotes de cocaína.

No Brasil, há um medo de que a exclusão social se traduza, em algum momento, em violência política, como na Colômbia. Cada vez que há um episódio mais grave, cada vez que um preso menciona o Che Guevara ou apresenta ideias mais politizadas, volta a se falar em guerrilha, em terrorismo, no perigo de uma "colombianização" do Brasil.

BBC Brasil - Como o senhor acha que a população deve avaliar a situação?

Cano - Acho que a gente tem que olhar mais para os números e para as taxas de incidência criminal, que estão caindo, e menos para o que aconteceu (nos últimos dias). Antes, 20 pessoas podiam morrer numa madrugada e ninguém ficar sabendo. Agora, se tem um arrastão, isso gera um pânico e ninguém pensa em outra coisa. Então, é importante olhar para o quadro mais geral.

Policiais militares matam 56,5% mais no Estado de SP

Fernanda Aranda - O Estadao de S.Paulo
O número de mortes cometidas por policiais militares no Estado de São Paulo cresceu 56,5% no segundo trimestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Proporcionalmente, o aumento da resistência seguida de morte - classificação oficial das ocorrências - foi o maior entre todas as modalidades criminais mapeadas pela Secretaria da Segurança Pública (SSP), uma vez que homicídios, roubos e latrocínios tiveram altas de 11%, 18,8% e 36,5%, respectivamente.


Em abril, maio e junho do ano passado, 99 pessoas foram mortas por policiais, quantidade que subiu para 155 no mesmo intervalo dos mesmos meses deste ano. O avanço, lembra o Comando da PM, está em um contexto de aumento geral da criminalidade paulista (mais informações nesta página), mas essa não seria a principal razão para a escalada dos índices, segundo o presidente da Comissão de Justiça e Segurança Pública do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), Renato De Vitto.


"Só as estatísticas são frágeis para atestarmos se cada óbito foi, de fato, legítima defesa do policial", opina. "Eu avalio que esse aumento de mortes tem mais relação com a estratégia policial de combater crimes, da cultura de agir mais letal."


Além da questão cultural, o ouvidor das Polícias Civil e Militar do Estado, Luiz Gonzaga Dantas, que recebe e apura denúncias sobre supostos abusos da violência, disse acreditar que o aumento de mortes cometidas por policiais é resultado da forma como os casos são tratados pela própria corporação. "Chegam a nossas mãos muitos boletins de ocorrência que são registrados como crime contra o patrimônio, crimes contra administração pública e o evento morte de um suspeito não é notificado", afirma. "Isso faz com que as mortes cometidas por policiais não sejam investigadas como deveriam, o que resulta em impunidade de um policial que pode ter cometido abuso."


Um dos casos que está sendo investigado pela ouvidoria é referente a dois adolescentes de Santo André, no ABC paulista, que foram mortos em junho deste ano. O caso foi registrado como crimes contra o patrimônio e resistência, uma vez que a polícia afirma que eles estavam em atitude suspeita para roubo de veículos. Os dois jovens - depois de mortos foi apurado que tinham 15 e de 16 anos - supostamente entraram em confronto com policiais que não estavam em viaturas caracterizadas. Um deles teria disparado contra os PMs, mas os dois tiros falharam. Ele, então, foi atingido e morreu no local. O outro rapaz, diz o BO, tentou fugir a pé, disparou contra os policiais, e morreu também.


O número de PMs mortos em serviço também subiu na comparação entre o 2º trimestre deste ano com o de 2008, de 4 casos para 9 (25% de acréscimo). O saldo dos confrontos, no entanto, termina com, em média, um policial morto para cada 17,2 civis assassinados por um tiro disparado por um policial paulista.


Atualmente, 9% do total de homicídios (contando os assassinatos com intenção de matar e os mortos por policiais) estão concentrados nas mãos de PMs. A situação paulista, que já foi muito pior no início dos anos 1990 - quando 1.200 pessoas eram mortas por ano pela polícia - é melhor do que a do Rio: os policiais fluminenses são responsáveis por 18% das mortes.


"Além das atitudes dos policiais, é preciso responsabilizar por essa situação o discurso das autoridades, de alguns secretários de segurança, que incitam a violência e valorizam a atitude do policial truculento", diz Jorge Dias, coordenador de Estudos e Pesquisas em Ordem Pública, Polícia e Direitos Humanos da Universidade Estadual do Rio. "A sociedade também legitima essa violência, apoia esses atos." Pesquisa feita em dezembro de 2008 pela Secretaria de Direitos Humanos, do governo federal, mostrou que 43% da população concorda com a frase "bandido bom é bandido morto".

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O CONCEITO DE "MODO DE PRODUÇÃO" EM KARL MARX

O CONCEITO DE "MODO DE PRODUÇÃO" EM KARL MARX
[Recensão do Artigo "Modo de Produção” in RUGGIERO, R. (Dir.), Enciclopédia Einaudi, vol. 7: Modo de Produção, Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 63-106]

O autor começa por mostrar como o contexto em que surge o conceito lhe confere forte carga política e ideológica, pondo-o no centro de “violentas batalhas”. (p.63) Apresentando as questões fundamentais — “como caracterizar um modo de produção, quantos existem, como é que eles se «articulam», como se passa de um a outro, como é que eles evoluem, se é que evoluem” (p.63) — propõe-se resolvê-las retornando, por um lado, aos escritos de Marx (sobretudo O Capital) e por outro confrontando-os com o que a história lhes acrescentou desde a sua publicação.

1. AS PRIMEIRAS UTILIZAÇÕES DA EXPRESSÃO ‘MODO DE PRODUÇÃO’. «A IDEOLOGIA ALEMû.

O conceito serve de base fundamental à teoria do materialismo histórico, que surge em oposição à filosofia de Hegel, segundo a qual a vida material seria dominada pelas ideias e pelos pensamentos. Pelo contrário, para Marx e Engels “Não é a consciência dos homens que determina a sua existência, mas é a sua existência social que determina a sua consciência” [“Teses Sobre Feuerbach”]

Assim, “a expressão «modo de produção» ” surge num contexto muito determinado, estando “encarregada de exprimir, de veicular uma nova concepção geral do homem e da história, uma visão filosófica de conjunto que se opõe às concepções precedentes, que distinguiam o homem dos outros animais «pela consciência, pela religião, por tudo o que se quiser» ” [O autor cita aqui “A Ideologia Alemã”, 1845-46] (p.64)

É o “processo de produção material” e a sua evolução que determina o “movimento real da história”. A evolução do referido “processo de produção material” é fruto do conflito que resulta da contradição entre as forças produtivas e as relações entre os seres humanos: o modo de produção material determina a organização económica da sociedade, que por sua vez serve de base à estrutura política e ideológica. O primeiro evolui [para Marx a evolução corresponde ao desenvolvimento das forças produtivas] mais depressa que os últimos, levando a uma contradição que se resolve de forma revolucionária. (p.67)

O autor refere o problema da relação entre o modo de produção e as relações de produção. Qual é a causa e qual é o efeito? Por um lado, para Marx, as “relações de produção” têm “a sua fonte num modo de produção”, pressupondo então a sua existência, mas por outro “um modo de produção” caracteriza-se pela “natureza das relações de produção que o organizam e que determinam a sua lógica original de funcionamento e de desenvolvimento”. (p.67)

2. MODO «MATERIAL», MODO «FORMAL», MODO «REAL» DE PRODUÇÃO EM «O CAPITAL»

Por "Modo de Produção", devemos entender a maneira como se organiza o processo pelo qual o homem age sobre a natureza material para satisfazer as suas necessidades. “Produzir é (…) trabalhar”, pondo “em movimento forças” que ajam sobre a natureza (p.67). Estas forças variam com a história e com a sociedade. O trabalho é assim não só “um processo (…) entre um homem e a natureza” mas “supõe uma forma de sociedade” realizando-se em certas “condições sociais”, as “relações sociais de produção”. (p.68)

Dois tipos de relações sociais de produção que se complementam: relações no processo de trabalho (divisão de tarefas) e relações face às condições e meios de produção (propriedade ou não dos meios de produção). (p.68)

Ao modo de produção capitalista corresponde essencialmente uma relação social “entre duas classes”. Destas, uma [a burguesia], por ter o “monopólio dos meios de produção e do dinheiro”, explora a outra [a classe trabalhadora], que não é proprietária de nada excepto a sua “força de trabalho” que se vê forçada a vender. O “objectivo da produção” é aqui o objectivo da burguesia: a criação de mais-valia para a acumulação privada de capital, não a satisfação das necessidades da maioria dos membros da sociedade. (pp.69-70)

[Daqui se conclui que as relações sociais de produção são de oposição e contradição e que, consequentemente, todas as contradições e problemas da nossa sociedade radicam, de uma forma ou de outra, na contradição básica e irremediável do capitalismo. Como diz o autor “…a forma capitalista de produção é uma forma «antagónica» que produz e reproduz esta contradição entre estas duas classes, forma antagónica que, desenvolvendo-se, não pode deixar de desenvolver as contradições sociais que ela implica.” (p.70)]

O desenvolvimento de um modo de produção e a transição para outro são para Marx dois factos inter-dependentes, resultando das relações entre base material e forma social. Como exemplo temos a transição do feudalismo para o capitalismo:

1) Estádio final do feudalismo: a “forma capitalista de produção” mais adequada que a feudal para o desenvolvimento das forças produtivas.

[Temos então relações de produção capitalistas, uma forma social capitalista de produção, que se efectua sobre formas de produção materiais do modo de produção feudal (ex: manufacturas). O conflito neste caso é resultado de relações de produção mais evoluídas e, portanto, desadequadas, relativamente às formas de produção.]

2) “A forma capitalista de produção” desenvolve as formas de produção feudais, revolucionando-as. Transforma-as de modo a tornarem-se-lhe mais adequadas, até chegar ao ponto em que nos encontramos perante um modo de produção que está mais de acordo com as formas sociais de produção. Por sua vez, esta nova base material provoca novos desenvolvimentos nas relações de produção, chegando-se ao período de maior correspondência ente uma e outras, em que temos um modo de produção verdadeiramente capitalista

[Exemplo: a manufactura doméstica dá lugar à maquinofactura, que por sua vez irá originar a indústria].

3) Esta fase é contudo efémera, pois ao desenvolver-se, a situação inverte-se. As relações de produção capitalistas tornam-se um entrave para o desenvolvimento das forças produtivas, e podemos observar sinais do futuro modo de produção.

Para o autor, os países então socialistas estavam ainda na fase em que era observável uma forma social de produção socialista a operar ainda sobre formas materiais de produção do modo de produção capitalista. Seria necessário que o processo acima referido (relativamente ao processo de transição entre o feudalismo e o capitalismo) se observasse também nesses países, isto é, que se verificassem transformações revolucionárias que instaurassem um novo modo de produção realmente socialista.

3. BREVE INVENTÁRIO DOS MODOS DE PRODUÇÃO DISTINGUIDOS POR MARX

Referência a “A Ideologia Alemã” (1845), em que Marx apresenta a evolução da sociedade ocidental, “na qual ele via sucederem-se quatro formas de propriedade”: propriedade tribal / antiga propriedade comunal/de estado / propriedade feudal / propriedade moderna (Burguesa). Mais tarde, fruto de novos estudos (entre eles leituras das obras de Morgan, nomeadamente “Ancient Society”), Marx acrescenta a esta lista as antigas comunidades germânicas e a antiga comuna russa. (p.88)

Para Marx o homem é, na origem, um ser “gregário” e “tribal”, pertencendo por natureza “a um conjunto mais vasto”, inicialmente a família, que mais tarde se alarga na tribo. Os conflitos entre as diferentes tribos darão origem a diversas estruturas comunitárias.

Podem ser distinguidos dois tipos de tribos: as mais primitivas, fundadas nas relações do parentesco, e as fundadas na territorialidade.

À “forma tribal de organização social” correspondem “diversos modos de exploração da natureza” (caça, recolha de frutos, pesca, agricultura e pastorícia itinerante/sedentária) e uma forma de propriedade comunitária, colectiva, podendo o indivíduo usufruir das “condições materiais de produção” por ser previamente membro da comunidade, sendo sempre um “possuidor” e nunca “proprietário”.

O objectivo da produção é a preservação da própria comunidade e das suas formas de organização social. A preservação da comunidade, contudo, implica a sua transformação. Citando Marx (“Formas que Precedem a Produção Capitalista”, 1857-58), o autor dá o exemplo da distribuição de terras: se os membros da sociedade dividem o território em parcelas iguais com uma determinada extensão, “o simples crescimento da população é já um obstáculo.” É ultrapassado pelo recurso à colonização, que pressupõe a guerra de conquista. Surgem então instituições antes inexistentes, como é o caso da escravatura. “Assim, a preservação da velha comunidade implica a destruição das condições nas quais esta se funda, e ela transforma-se no seu contrário.” (p.90)

Estas sociedades são inicialmente sociedades sem distinção de classe, deixando de o ser quando o trabalho excedentário “feito por todos em favor de todos” passa a ser “feito por quase todos para alguns” que conseguem elevar-se acima da comunidade. (p.93)

“[C]om a evolução das forças produtivas” e das formas de explorar a natureza, o trabalho passa a ser uma “actividade familiar”. Pode todavia continuar a ser observada alguma forma de trabalho e/ou propriedade colectiva, mas este fenómeno deixa de ser a regra para passar a ser a excepção (com o objectivo de produzir, por exemplo para as celebrações da comunidade) (p.92) Surgem então diversos modos de produção baseados no modo de produção comunitário-tribal:

a)
Modo de produção asiático:
- A propriedade deixa de ser da comunidade para passar a ser a propriedade do Estado, personificado pelo déspota, que passa a apropriar-se dos excedentes. O indivíduo tem a posse e não a propriedade do solo — o acesso à terra é determinado pela pertença à comunidade, que por sua vez tem também apenas a posse colectiva do território, sendo o Estado o único proprietário. (p.97)

b)
Modo de produção antigo (Grécia e Roma):
- Existência de duas formas de propriedade, comum e privada, sendo a última a base da produção. O objectivo é “a reprodução de cada um na sua dignidade de homem livre”, sendo «homem livre» aquele que não depende “de outrem”, pois possui terra onde pode “praticar a agricultura”. A propriedade privada distribui-se de forma desigual, levando à acumulação de riquezas por uma minoria, e ao aumento do número e da importância dos escravos. “O modo de produção «antigo», (…) dá lugar gradualmente ao «modo de produção esclavagista»” (p.101).

c)
Modo de produção germânico:
- A propriedade comum é substituída pela propriedade familiar; existem terras comuns, usadas como complemento da propriedade individual (pastagem, colheita, lenha, etc.). “A comunidade existe como tal, apenas quando a família se reúne (…) e faz então existir pela sua reunião, pela sua associação, a comunidade” (p.103)

Por conjugação entre os referidos modos de produção — exceptuando-se o modo de produção asiático — surge o modo de produção feudal (“Da acção conjunta da dissolução do mundo antigo, do declínio da escravatura e das invasões «bárbaras» (…), nascem lentamente as condições de formação do modo de produção feudal.” (p.103))

É um “Modo de produção” baseado na “oposição” entre os “proprietários do solo” e uma classe de camponeses que o usa em troca de uma “retribuição”, que pode ser “trabalho, géneros ou dinheiro”. Neste modo de produção “a propriedade está partilhada entre senhores feudais”, tendo estes por sua vez “relações hierárquicas” entre si e sendo o Estado apenas “a relação hierárquica desses diversos proprietários”.

Devido às suas próprias contradições, este modo de produção dará origem ao modo de produção capitalista, da forma já atrás referida.

O modo de produção capitalista, por sua vez, concluiu já há muito a sua tarefa histórica: já “controla os ramos essenciais da produção”, já eliminou ou subordinou “outros modos de produção ainda existentes” e já “criou os elementos materiais e as formas sociais novas de produção”, ou seja, tem no seu interior a semente de um futuro modo superior que superará a contradição dos modos de produção baseados na exploração do homem pelo homem, a que o autor chama “modo de produção dos produtores associados”. Esta semente apenas germinará se a classe dos trabalhadores agir para cumprir a sua “missão histórica” de abolir a exploração através das “suas lutas revolucionárias”, pois que “[a]s lutas de classe e as relações de força podem abrandar o movimento, mas nunca aboli-lo. (p. 104)

[Esta análise de como Marx descreve as formas de evolução e articulação dos diversos modos de produção demonstra como o seu pensamento foi e continua a ser tantas vezes (e muitas delas de forma propositada) distorcido e deturpado, tanto pelos seus opositores como pelos que se afirmavam seus partidários. Como afirma o autor do artigo, “...Marx nunca concebeu «necessidades históricas», impondo a todas as sociedades os mesmos percursos, os mesmos modos de produção, as mesmas formas de organização social” (p.99). Essa mesma acusação foi feita a Marx pelo populista russo Mikailovski, em 1877. Referindo-se a ele afirma a Vera Zassulicht, em 1881: “Ele sente-se no dever de metamorfosear o meu esboço histórico da génese do capitalismo na Europa Ocidental numa teoria histórico-filosófica do progresso geral imposto pelo destino a cada povo, quaisquer que sejam as circunstâncias em que este se encontra… é honrar-me e prejudicar-me de mais.»]

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Estudantes da UAN apontam ciúmes como causa dos crimes passionais

Luanda - Estudantes da Universidade Agostinho Neto (UAN), em Luanda, consideraram que os crimes passionais estão ligados ao ciúme, ao sentimento de posse do parceiro em relação ao outro.




Em entrevistas separadas efectuadas hoje (terça-feira) pela Angop, os estudantes aconselharam as pessoas a não ignorar as ameaças feitas pelos seus parceiros, caso um deles decida acabar com a relação.




Para, Helenice Gomes, estudante de sociologia, no Instituto Superior de Ciências e Educação (ISCED) é perigoso ignorar os sinais de alerta passado pelos parceiros, pois isso fez com que algumas relações amorosas terminem em morte.




Definiu o ciúme como, “ um sentimento existente nas relações humanas em geral e, em particular nas amorosas, que indica manifestação de desagrado, de protesto contra uma atitude ou comportamento do parceiro”, que está na base de mais de 80 por cento dos crimes passionais de acordo com os estudos científicos.




Já o estudante, do mesmo curso, Carlos Gouveia considera que estar apaixonado não significa submeter-se ou ficar á mercê da outra pessoa, e o amor é antes um sentimento forte que pode consolidar-se ou desaparecer caso seja ou não correspondido, não devendo recorrer a violência caso não seja correspondido.




Para a estudante de psicologia, Nelma Armada de Sousa, os indivíduos que cometem os crime passionais tentam geralmente utilizar o sentimento que sente pelo parceiro para amenizar sua culpa e sua sentença. " Alegam com frequência que cometeram tal acção pela defesa de sua honra enquanto homem perante a sociedade, preocupados com sua reputação".




Em sua opinião, para cometer o delito passional, o indivíduo tem uma motivação misturada com egoísmo, amor-próprio, compreensão deformada da justiça, já que o mesmo imagina ter agido conforme seus direitos de homem e cidadão.




O estudante Jorge Mendes Augusto disse que o acto criminoso parte de um processo impulsivo motivado pela emoção, mas com a intenção de demonstrar superioridade em relação ao parceiro.




“O criminoso acredita que poderá programar e executar a morte da vítima sem erros, considerando sempre o outro como uma propriedade. O que se pode perceber também deste carácter impulsivo é uma baixa estima, desencadeando assim respostas exageradas diante de estímulos mínimos”, explicou.




A estudante de psicologia Sandra Henriques Macedo adiantou que num crime passional há sempre um factor preponderante (em sua maioria o ciúme patológico) mas existem outros factores externos que devem ser levados em conta como o tipo de relacionamento do casal, a história do agressor, além de seu estado psíquico, motivos externos como família, sociedade, amigos e a questão financeira.




O estudante da faculdade de Direito da UAN, Jaime André, sublinha que os crimes passionais muitas vezes são premeditados, e o agressor as vezes não se apresenta arrependido, pois pensa que defendeu a sua honra.

É preciso ouvir as crianças

Sociólogo da infância aponta a necessidade de percebê-las com um grupo com ideias próprias, distinto dos demais, e diferenciado entre os indivíduos que o compõem

A sociologia da infância se propõe a construir a primeira fase da vida do ser humano livre de interpretações nas quais as crianças se desenvolvem independentemente da construção social, das suas condições de existência e das representações e imagens historicamente construídas sobre e para elas. Trata-se de uma área nova, recém-desbravada por pesquisadores de todo o mundo. Manuel Jacinto Sarmento, diretor do Centro de Educação da Universidade do Minho, em Portugal, é um deles. "Os estudos têm dito, há 20 anos, de maneira enfática, que os pequenos necessitam ser conhecidos em sua verdadeira realidade."
Durante visita ao Brasil para uma série de encontros, eventos e visitas, Sarmento concedeu entrevista à repórter Cristiane Marangon logo após sua exposição em um congresso de educação infantil realizado em Maceió (AL). "Tenho aprendido muito com os brasileiros e com suas experiências concretas de vida. Há muita troca de conhecimento e esses intercâmbios também são de muita aprendizagem."

É possível definir um tipo de infância?
Essa questão é controversa e muito debatida por diferentes autores. Alguns dizem que é necessário falar da infância no singular para tratá-la como categoria social. Os sociólogos que trabalham com essa visão se preocupam com indicadores sociais de demografia ou de economia e também de natureza simbólica. Na demografia, procura-se perceber de que modo o grupo infantil estabelece relações de porcentagem com outros agrupamentos populacionais e quais são os diferentes espaços que ocupam na sociedade. Do ponto de vista econômico, entende-se que as crianças, com exceção daquelas vinculadas ao trabalho infantil, se caracterizam por não participar da economia e, por isso, não são importantes como classe econômica. No simbólico, as concessões que existem traduzem-se nos modos de agir dos adultos em relação às crianças. Há também os sociólogos que trabalham na base interpretativa ou crítica, que tendem a encontrar e pluralizar as formas de infância. Consideram que a ação caracteriza a categoria pelos desempenhos coletivos e individuais, que são atravessados pelos gêneros, pelas classes sociais, pelas etnias, pelas diferenças que dizem respeito ao espaço no mundo e tendem a enfatizar que existem várias infâncias.

E qual é o seu entendimento sobre a infância?
Não é possível dizer que há uma única infância. Necessitamos articular as concepções para perceber o que é comum a todas as crianças. Na minha opinião, ela deve ser percebida como um grupo geracional, distinto do mundo adulto. As crianças são diferentes umas das outras e, nessa diversidade, há fatores sociais acentuados, que não são puramente individuais. Por exemplo, há elementos comuns por uma parte de tempo de suas vidas, pois vivem sob a guarda de responsáveis, já que não são capazes de ficarem sozinhas. No entanto, isso mudou ao longo do tempo. A independência delas tem sido retardada em relação ao que ocorria há 20 anos. A entrada no mercado de trabalho se dava mais cedo e, por isso, ficavam longe da guarda de seus pais precocemente.

Como a infância tem sido interpretada pelos adultos?
Vivemos em um tempo em que há uma coincidência de várias concepções - desde que a criança deve ser submetida a processos rigorosos de controle de autoridade até a que ela, sendo um ser de direito, precisa ser respeitada na sua autonomia. Essas representações são bem diferenciadas e acompanham a história da humanidade nos últimos 250 anos. É possível dizer que há dois polos. Um deles é que a criança é um ser irracional e imoral e, por isso, deve ser submetida a processos de racionalização e moralização, que acontecem pela educação, seja familiar ou escolar. A outra concepção é que a criança é naturalmente boa e que, para educá-la, basta sustentar e apoiar seu desenvolvimento. Vale ressaltar que essas compreensões são produzidas, principalmente, na sociedade ocidental e disseminadas pelo mundo. É preciso que todos saibam que existem infâncias diferentes. No Brasil, por exemplo, há comunidades indígenas em que só se deixa de ser criança ao se tornar pai ou mãe.

Como o docente pode chegar mais perto do que as crianças pensam para estabelecer uma comunicação mais adequada?
A escola foi edificada com base em um modelo cognitivo, ou seja, um entendimento de homem, de sociedade, de cultura e de criança, que sempre formou os educadores. A instituição escolar é pensada como um lugar de transmissão de cultura para um sujeito que está inserido na sociedade e em processo de transição. A passagem pela escola serve para que isso seja garantido. Ela está centrada na comunicação, portanto, no poder do adulto sobre a criança, pois se supõe que os pequenos são seres em desenvolvimento e passam por várias etapas. No entanto, os estudos da criança têm dito, há 20 anos, de maneira muito enfática, que elas necessitam ser conhecidas em sua verdadeira realidade. A própria psicologia tem desmentido as etapas de desenvolvimento concluídas por Jean Piaget, consideradas adultocêntricas, pois o desenvolvimento humano é feito em contextos sociais e culturais. Não há linearidade e nem teleologia que independam de contexto e também de circunstância em que se encontram os pequenos. Precisamos trabalhar em uma renovação na concepção que forma os professores, pois eles decidem o trabalho nas escolas.

Quais são os danos para as crianças mais afastadas culturalmente da escola?
Elas reagem desenvolvendo estratégias de sobrevivência, como abandonar a escola precocemente e procurar sentido para a vida fora desse espaço. Isso nada mais é que uma atitude de resistência. O indivíduo encontra satisfação e referência pessoal no contato com amigos e vizinhos e, por isso, passa a criar aspirações e expectativas compatíveis com essas motivações. No entanto, é importante destacar que há benefícios mesmo quando há danos, pois essas crianças encontram duas coisas fundamentais na escola: um espaço público e de convivência. No primeiro caso, elas são reconhecidas como membros de uma sociedade, o que é simbolicamente importante. No segundo, é fundamental conviver com outras crianças e poder desenvolver as culturas de pares. É claro que pode haver outros benefícios, mas isso depende da capacidade que a escola tem de gerir sua autonomia e de ir ao encontro dos que estão mais afastados de sua cultura, promovendo relações, produzindo seu conhecimento a partir do que se percebe e, nessas circunstâncias, poder lidar e gerir mais adequadamente o abandono, se ele acontecer.

O senhor defende que as crianças participem de maneira ativa na vida social. De que maneira?
A participação da criança na sociedade é um elemento novo que está expresso no documento A Convenção sobre os Direitos da Criança, das Nações Unidas, de 1989, em que se consagrou a ideia de que a criança não pode ser ignorada em sua opinião sobre os aspectos que lhe dizem respeito, atendendo à capacidade que ela tem de exprimir a própria opinião. Sua participação social significa que o conhecimento que ela tem deve ter voz, deve ser auscultada e deve ter efeito, ou seja, influenciar seu modo de vida. Atualmente há um movimento nas cidades amigas da criança, cujo eixo central é ouvi-las na formulação de políticas públicas no que diz respeito ao mobiliário, ao equipamento, à mobilidade, à programação de atividades etc. Elas deveriam ser ouvidas também politicamente e isso não tem a ver com o fato de ter direito a voto, ainda que não seja uma ideia não instrumentada. Isso acontece em alguns grupos sociais. Em uma comunidade indígena brasileira, por exemplo, sempre que há um assunto importante, todos se reúnem em assembleia e têm direito de exprimir opinião. A decisão cabe aos mais velhos, mas sempre depois de ouvir a todos. Inclusive, as mulheres grávidas podem falar duas vezes porque é considerado o filho que se desenvolve no seu ventre. Isso é a ruptura com um modelo mental do nosso tempo em que a criança não tem participação política porque não fala.

Como funcionaria na prática?
Trata-se de criar dispositivos institucionais para auscultação das vozes das crianças por meio de inquéritos de opinião, caixas de sugestões, linhas de comunicação - seja telefônica ou pela internet - e realização de processos de audição. Isso pode, em alguns casos, nomear representantes dos grupos infantis organizados com seus conselhos para serem ouvidos. É um modelo que reproduz as democracias ocidentais. Essa atitude necessita ser permanente, não pode se esgotar no dia a dia e precisa de dimensão mais profunda, seja na escola, na cidade ou na família. Há vários municípios que desenvolvem atividades e projetos assim. Os mais conhecidos são os de algumas cidades italianas.

Muitos produtos direcionados ao público infantil são feitos por adultos e, inclusive, carregam os valores do mundo adulto. De que maneira isso influencia a vida das crianças?
Na cultura industrial, em que os conteúdos e os produtos são feitos pelos adultos para o consumo infantil, nunca se deixa de reproduzir os estereótipos do mundo adulto. Walt Disney, por exemplo, tem uma produção cultural própria de grande difusão com conceitos e valores identificados como patriarcais, paternalistas, conservadores, que revelam padrões de uma família burguesa ocidental em que raras vezes se encontram modelos diferentes dos brancos anglo-saxônicos. Essas produções também são formas culturais influentes e com muita capacidade de atração. Isso se deve ao fato de elas jogarem na dimensão da ficcionalidade, que é importante na cultura da infância, ou seja, na transposição imaginária do real e da ludicidade. Alguns estudos têm mostrado que há uma grande homologia entre os movimentos imaginários dos adultos e os das crianças na produção da indústria cultural infantil e que essa relação vai acompanhando o fluxo dos tempos.

O senhor afirma em seus estudos que as crianças são produtoras de cultura. Como é possível, se elas são influenciadas pelos adultos?
As crianças não estão sob a tutela dos adultos o tempo todo. Elas sofrem processos de socialização na relação com os pais, as famílias, os vizinhos e os professores, mas também se envolvem socialmente com seus pares. Nas brincadeiras e nos jogos, seja em tempo real ou virtual. Isso é comum e importante. Mesmo atravessadas pelos adultos, elas produzem culturas próprias. É comum atribuir ao adulto o título de produtor cultural, mas é importante ressaltar que eles também são atravessados pelas culturas que herdaram. Não há diferença sobre a condição do adulto como produtor cultural e a da criança. O pintor Pablo Picasso, por exemplo, foi um produtor cultural revolucionário, que alterou muito a cultura ocidental e fez muitas relações com as quais convivia. Produção cultural, mesmo quando genial, é sempre feita na relação. É importante que as crianças produzam a própria cultura nas condições que têm para fazer isso.

domingo, 19 de setembro de 2010

Pesquisador defende ações com empresas por biodiversidade

Amália Safatle
De São Paulo

Imagine um agricultor que, para sobreviver, precisa comer as sementes que tem para plantar. Imagine um banco que não vive mais dos juros que cobra, mas sim consome o capital que teria para emprestar. Ambos estão com os dias contados, pois nesses casos a busca de sobrevivência no curto prazo compromete de modo irreversível o dia amanhã.

Esta é a figura de linguagem que Jason Clay, PhD em Antropologia e Agricultura pela Universidade de Cornell, nos EUA, e vice-presidente sênior da ONG WWF usa para ilustrar o fato de que nós - humanidade - estamos na mesma situação em relação à Terra. Desde 1990, estamos no vermelho, consumindo hoje 1,3 planeta. Onde mais queimamos a linha foi na questão da perda de biodiversidade, protagonizando a única espécie capaz de provocar a extinção em massa e acelerada de todas que existem. E extinção, vale lembrar, é para sempre.

Diante de um quadro de aumento populacional e de consumo, com países emergentes almejando o nível de afluência das nações ricas, as pressões sobre a biodiversidade só tendem a crescer. Ao mesmo tempo, as decisões no âmbito das Nações Unidas para conservar a biodiversidade são lentas, pois exigem consenso de todos países participantes, que possuem interesses divergentes e se estendem em longuíssimas negociações.

Com pouco tempo para revertermos o ritmo de perda da biodiversidade, Jason Clay, defende uma iniciativa de ordem bem prática, específica, quase cirúrgica: atuar junto a algumas empresas escolhidas a dedo, que sejam capazes de mover uma extensa cadeia de valor, trabalhem com produtos de consumo prioritários e atuem em regiões estratégicas em termos de biodiversidade.

Ele mapeou 35 regiões ricas em diversidade biológica e literalmente vitais para o equilíbrio ecológico. E também identificou 15 commodities que, produzidas de maneira insustentável, representam as maiores ameaças a esses lugares devido ao desmatamento, à perda de solo fértil, à exploração da água, ao uso de pesticidas, à sobrepesca, entre outros fatores.

Dados 35 lugares e 15 commodities, Clay perguntou-se como podem ser modificados os modos de produção, de modo a conservar a biodiversidade. Certamente será complicado trabalhar com 6,9 bilhões de consumidores (a população mundial) que falam 7 mil línguas diferentes e conscientizar todos a ponto de mudarem instantaneamente seus modos de consumo. E mesmo que queiram mudar, haveria oferta de produtos mais sustentáveis para todos ao mesmo tempo?

Também será difícil lidar com 1,5 bilhão de produtores. Mas com 300 a 500 empresas, que controlam no mínimo 70% do comércio de cada uma das 15 commodities, a ideia começa a se tornar mais factível. "Se mudarmos essas companhias e a maneira como fazem negócios, o restante acontecerá automaticamente", defende Clay, em palestra que pode ser acessada em www.ted.com/talks/jason_clay_how_big_brands_can_save_biodiversity.html.

Em uma visão mais detalhada, Clay descobriu que 100 dessas 300 empresas estão ligadas de alguma a 25% do comércio das 15 commodities. "E com 100 companhias, nós podemos trabalhar". Ainda que 25% não seja um percentual tão alto, o pesquisador explica que essas grandes marcas têm o poder de influenciar a rede de fornecedores com a qual trabalham, e criar um efeito em cadeia. "Companhias podem 'empurrar' produtores mais rapidamente do que os consumidores seriam capazes."

E por que as empresas seriam convencidas a transformar seu modo de operar e fazer negócios levando em conta a conservação da biodiversidade e processos mais sustentáveis. Mais que o risco reputacional, está em jogo a própria existência das commodities, que dependem de um ambiente em equilíbrio.

Clay conta que 100 empresas já foram identificadas nos últimos dois anos. Nos últimos 18 meses, foram assinados acordos com 40 delas. Nos próximos 18 meses, ele acredita que serão firmados acordos com mais 40. Uma das empresas que cita é a Cargill que embora ainda esteja engatinhando nesse processo, ao menos aderiu a ele. É uma empresa chave, responsável por 20% a 25% da produção global de óleo de palma. "Se ela toma essa decisão, pelo menos metade da indústria mundial de palma se mexe", aposta. Outros exemplos que menciona são a Mars e a Coca-Cola.

"Essas companhias começaram a pensar diferente. Tudo o que possa ter sido sustentável em um mundo com 6 bilhões de habitantes não será em um mundo com nove", afirma.

'O PT pode ser salvo de si mesmo', diz sociólogo

O blogueiro Celso Rocha de Barros, autor do blog NPTO - Na Prática a Teoria É Outra, é figura rara na internet brasileira. "Meio esquerdoso", como se define, escreve sobre política, mas fica de fora da polarização radical entre "petralhas" e "PIGs" que habitam a blogosfera.

Doutor em sociologia pela prestigiosa Universidade de Oxford (Inglaterra), Barros, 37, afirma que a polarização na internet "é altamente contagiosa" e que "é difícil não cair na tentação de radicalizar para o outro lado".

Na entrevista a seguir, ele explica por que acredita que "o PT pode ser salvo de si mesmo", defende "abraçar a social-democracia com entusiasmo", critica parte da intelectualidade petista e afirma que "o PT não é mais corrupto que os outros partidos".

Folha - O seu blog parece não cair na polarização radical que, segundo vários estudos, é a norma na blogosfera política. Você inclusive indica sites com visões diferentes da sua. Como você vê o fundamentalismo político on-line?
Celso Rocha de Barros - Há, sim, uma tendência à polarização que é altamente contagiosa. Você começa com uma posição ponderada, mas aparecem comentários tão radicais e agressivos que é difícil não cair na tentação de radicalizar para o outro lado.
Por exemplo, você começa dizendo que tanto Lula quanto FHC fizeram bons governos (o que eu acho), mas que Lula foi melhor (o que eu também acho). Aparece alguém e diz que eu sou um petralha, que mato criancinha nos campos de concentração das Farc. É forte a tentação de responder à altura.
Imagino que tenha petista produzindo esse mesmo efeito em blogs de direita.

E por que você se mantém fora desse clima?
Os caras que estudam redes sociais já dizem: entre pessoas iguais, grande parte da informação que circula é eco. Seria idiotice desperdiçar a oportunidade de conhecer outras perspectivas e aprender novas coisas, e para isso a web oferece inúmeras oportunidades.
Lendo o NPTO, você vai ver que minhas leituras são bastante diversas. Boa parte do que eu leio e comento é escrito por economistas.
Seria uma estupidez me recusar a aprender uma economiazinha lá no Alexandre Schwartsman, como vou aprender lendo o [Paul] Krugman, o [Dani] Rodrik ou o [Tyler] Cowen, que faz o melhor blog do mundo (o Marginal Revolution).
Até porque, como sempre digo, eu sou um petista bem mais simpático a essas coisas do que a média de meus companheiros de partido.

Na sua apresentação do blog, você diz acreditar que o PT pode ser salvo de si mesmo. O que você quer dizer com isso?
O saldo da experiência petista é bastante bom. O PT incorporou novos atores à vida política como protagonistas. Não como claque do oligarca populista da vez, mas como atores independentes.
Ainda não sabemos como vai se comportar politicamente a massa de pobres ascendentes no pós-Lula, mas é inegável que as chances de que participem mais ativamente agora que escaparam da miséria absoluta são bem melhores do que antes.
O que não quer dizer, naturalmente, que obrigatoriamente se tornarão petistas.
O PT, por outro lado, sempre foi ideologicamente confuso. Em 1989, o socialismo acabava no mundo todo e, no Brasil, o PT quase ganhava com um discurso que, se não era de corte bolchevique, já era claramente anacrônico.
Essa recusa de se aprofundar sobre 1989 foi o grande pecado do PT e, em especial, dos intelectuais petistas.

Quais foram as consequências dessa atitude?
Esse fechamento do discurso isolou o PT de forças políticas que poderiam ter sido nossas aliadas, como o PSDB, no início dos anos 90, e importantes setores da classe média.

E você vê o partido caminhando nessa direção?
Depois do sucesso do governo Lula, acho que essa oportunidade está mais aberta do que nunca para o PT.
Precisamos abraçar a social-democracia com entusiasmo, construir o Estado de bem-estar social brasileiro, aprofundar nossa democracia, tirando a ênfase do velho programa desenvolvimentista --que já rendeu o que tinha que render (e não foi pouco)-- e pensando em como vamos nos tornar produtores de tecnologia, que diálogo teremos com o que há de mais moderno na economia.

Há dentro do PT um tipo de pensamento maquiavélico vulgar, do tipo "os fins justificam os meios", de forma que a confecção de dossiês seria visto como um caminho legítimo para proteger candidaturas petistas?
Não mais que nos outros partidos, creio. Lembre-se do episódio do Ricúpero escondendo dados em 94, ou das pequenas e grandes fraudes para eleger o Collor. Há poucas coisas, no mundo, menos suspeitas de idealismo do que a direita brasileira. O PT não é, é óbvio, mais corrupto que os outros partidos.

Por quê?
Entre os corruptos ou acusados de corrupção com quem o PT se aliou, no setor público ou no privado, não há um que não tenha se aliado ao PSDB anteriormente ou que com ele não voltasse a se aliar em caso de vitória serrista. Orestes Quércia ou o Roberto Jefferson foram recebidas de braços abertos pela oposição.
E, ao que tudo indica, os petistas acusados de corrupção até agora eram todos movidos por ganância ou por ambição política. Se alguns deles racionalizam isso citando Lênin, bem, está longe de ser a pior coisa que já se fez citando Lênin --e é benfeito para o Lênin, pelas coisas que fez citando Marx.
Acho que quem propõe esse negócio pensa no José Dirceu, historicamente ligado a Cuba e que se viu envolvido em vários escândalos. Mas não consigo pensar em algo que o Dirceu tenha feito --mesmo supondo, pelo bem do argumento, que todas as acusações contra ele sejam verdadeiras-- que não possa ser explicado por ganância ou ambição política.

sábado, 18 de setembro de 2010

Escola Particular abre inscrições para ensino médio 100% gratuito

[16-09-2010]
Colégio fica na Praça Rui Barbosa, em Curitiba
foto: divulgação



Um projeto resultante da parceria entre o Serviço Social do Comércio (Sesc-PR) e o Grupo Bom Jesus oferece ensino totalmente gratuito a 500 estudantes do Ensino Médio da Grande Curitiba. Para 2011 são ofertadas mais 251 vagas. O edital já está disponível no site www.sescpr.com.br.

O colégio Sesc São José funciona desde 2009 no prédio que abrigava o centenário Colégio São José de Curitiba, na Praça Rui Barbosa, região central da capital paranaense. De acordo com o gestor do colégio, José Ivair Motta Filho, o objetivo do projeto é viabilizar o ensino de qualidade à população de baixa renda, num modelo educativo único, em que a educação e a empregabilidade andem de mãos dadas. "Para isso, buscamos fornecer aos alunos a integração contextualizada de temas acadêmicos, habilidades e atitudes profissionais", explica.

O processo seletivo dos alunos é coordenado pelo Sesc-PR e aberto a toda comunidade, com três exigências: renda familiar de até três salários mínimos e Ensino Fundamental cursado em escola pública. A infraestrutura do colégio conta com amplas salas de aula, biblioteca, laboratório de química, laboratórios de informática e quadra esportiva.

O projeto pedagógico, desenvolvido pelo Bom Jesus, é o mesmo aplicado nas 27 unidades do Grupo, com carga horária e programa de estudos diferenciados, visando preparar o aluno para o mercado de trabalho e aumentar as chances de conquistar um bom emprego. No contraturno e aos sábados, a partir do segundo ano do Ensino Médio, são ofertados cursos profissionalizantes voltados para o comércio, realizados e certificados pelo Senac. Aulas de reforço escolar também acontecem no contraturno.

Um grupo de 25 alunos do segundo ano do Ensino Médio também faz parte de um projeto da Junior Achievement Brasil, chamado Globe (Global Learning of the Business Enterprise). Todas as quintas-feiras à noite, os estudantes se reúnem no colégio para estudar e discutir o comércio internacional. Durante 18 semanas, o programa associa estudantes de dois países para formar uma empresa importadora e exportadora. Os alunos curitibanos estão conhecendo e negociando com estudantes da cidade de Jacksonville, na Flórida (EUA). As trocas são por meio de videoconferência e internet.

Além do ensino, o projeto também distribui gratuitamente o uniforme e o material escolar. Aos alunos que permanecem no colégio no período integral para realização do curso profissionalizante é oferecida ainda alimentação gratuita. O objetivo, segundo Motta, é oferecer aproximadamente 250 bolsas por ano do Ensino Médio. Para garantir a continuidade do ensino gratuito no colégio, os estudantes precisam apresentar bom rendimento escolar e 85% de frequência.

O presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac, Darci Piana, enfatizou que o Colégio Sesc São José prima pela qualidade do ensino, capacitando os alunos para competirem com igualdade em vestibulares e no mercado de trabalho. "O Sesc assumiu um desafio de ampliar ainda mais o seu compromisso e atuação junto à sociedade. Destinaremos maiores investimentos em ações gratuitas com caráter educativo. Temos a missão de ofertar um ensino de qualidade. Queremos ser modelo a ser seguido no Paraná e no Brasil e isso será graças a esta parceria", conclui Piana.

Para medir o impacto social do projeto, as assistentes sociais do Sesc São José avaliam aspectos como melhoria no emprego, na saúde, na qualidade de vida, nas relações sociais, na acessibilidade a bens culturais, nas atitudes em relação ao meio-ambiente, entre outros.

Histórico

O Colégio São José de Curitiba foi fundado em 1902, pela Reverenda Madre Leoine, da Congregação francesa de São José de Chambéry, que veio ao Paraná para atender os doentes da Santa Casa. Em 1906, buscando maiores instalações, o colégio mudou-se para onde viria a ser a praça mais conhecida e movimentada de Curitiba: a Praça Rui Barbosa (inaugurada sete anos depois).

Durante o século XX - mais precisamente nos anos 40 e 50, o colégio São José foi um local de referência para a formação do público feminino, oferecendo desde o "Jardim de Infância" a cursos técnicos profissionalizantes, como assistente de administração e magistério.

Em 2009, o espaço deu lugar ao projeto Sesc São José e passou a contar com a tecnologia educacional desenvolvida pelo grupo Bom Jesus - instituição educacional que atua há mais de 100 anos no Brasil, trabalhando com base nos princípios franciscanos. A marca Bom Jesus trouxe a qualidade aplicada na renovação de métodos educacionais e na utilização de novos equipamentos, garantindo aos alunos todas as características do padrão do grupo que hoje atua em 5 estados brasileiros e atende mais de 40 mil alunos.

Inscrições

As inscrições vão até 11 de outubro e são feitas em duas etapas, gratuitamente. Primeiro, o interessado deve acessar o site www.sescpr.com.br e preencher a ficha de inscrição. O próprio colégio também disponibiliza um computador para esta finalidade. Ao final deste processo, o programa gera um número de protocolo, que deve ser impresso e levado na sede colégio (Praça Rui Barbosa, 661), das 08h às 11h e das 13h30 às 17h30, juntamente com os documentos solicitados: RG e CPF do responsável e do aluno, comprovante de renda e residência, histórico escolar, foto 3x4 e declaração da escola em que o aluno concluiu ou está concluindo a oitava série.

Livros analisam trajetória da esquerda em busca da revolução

Ao revisar a trajetória de artistas e intelectuais que compõem certa intelligentsia brasileira de esquerda ao longo do século XX, o sociólogo Marcelo Ridenti especula tal “utopia de brasilidade”, segundo a qual a formação histórica da sociedade brasileira traz consigo potencialidades para a construção de uma nova civilização, notabilizada pela valorização da igualdade de direitos, da expressão popular e outros ideais de ordem nacionalista e socialista.
O resultado desta reflexão está em “Brasilidade Revolucionária: um século de cultura e política”, editado pela Unesp, que terá lançamento nacional na quinta-feira (23), às 19 horas, na Ponto do Livro – Livraria, Café & Arte, em Pinheiros.

Em livro anterior, “O fantasma da revolução brasileira”, também pela Unesp, que será relançado no mesmo evento, Ridenti desvenda os significados e as raízes sociais da luta dos grupos de esquerda, especialmente os armados, entre 1964 e 1974.

Com base em 35 entrevistas com ex-militantes e em estatísticas decorrentes do projeto “Brasil: Nunca Mais”, o autor mapeia o movimento de esquerda e mostra como o fantasma de uma revolução derrotada repercutiu à época e ainda ecoa em nossa matriz cultural, sobretudo na música, teatro, cinema e literatura.

Para debater o tema, Ridenti convidou os professores da USP Francisco de Oliveira (sociologia) e Marcos Napolitano (história). “Alguns estudiosos da democracia apontam um elo entre o projeto político do atual governo e a proposta do Partido Comunista antes de 1964, caracterizada por um poli-classicismo empenhado em tirar o país do atraso social, embora outros analistas condenem este mesmo governo de ter despolitizado movimentos populares e evitado fortes críticas ao capitalismo”, observa o autor.

A análise de Ridenti não se restringe às organizações autodenominadas “de vanguarda”, nem julga suas ações e protagonistas. Destaca a participação da intelectualidade e dos movimentos estudantil, feminino, operário, camponês e militar no projeto revolucionário.

Dissipando a imensa bruma que encobre o significado histórico, social e político na luta das esquerdas armadas, descobre-se como a ditadura militar “feriu de morte o florescimento cultural e político” do Brasil. “A ditadura representou o bloqueio deste projeto de desenvolvimento com base em princípios nacionalistas e socialistas”, completa.

“O Fantasma...” mostra ainda a perda de enraizamento social dos grupos armados, que entraram numa dinâmica ambígua, de sobrevivência e autodestruição, tanto por suas ações como pelos atos repressivos e ideológicos da ditadura, na situação do “milagre econômico”.

Em “Brasilidade Revolucionária...”, Ridenti discute como se formou e depois se esvaiu uma relativa hegemonia cultural de esquerda. Traça um panorama de ideias e movimentos em busca de uma “revolução brasleira”, desde a militância anarco-comunista do jornalista gráfico Everardo Dias durante a República Velha, passando pela atuação de artistas e intelectuais no auge da Guerra Fria, até o período do golpe militar, seguido da redemocratização.

Sobre o autor

Marcelo Ridenti é professor titular de sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Ensinou na Unesp, campus de Araraquara (1990-1998) e da UEL (1983-1990). Autor e organizador de vários livros como “História do marxismo no Brasil - volumes 5 e 6” e “Partidos e movimentos após os anos 1960”, ambos pela editora da Unicamp e em parceria com Daniel Aarão Reis, “Intelectuais e Estado”, pela editora UFMG e em parceria com Elides Rugai Bastos e Denis Rolland, e “Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV” (Record, 2000).

Serviço

Lançamento dos livros “Brasilidade Revolucionária: um século de cultura e política” e “O fantasma da revolução brasileira”.
Autor: Marcelo Ridenti
Editora: Unesp
Data: Quinta-feira, 23 de setembro
Horário: 19 horas
Local: Ponto do Livro – Livraria, Café & Arte (rua Alves Guimarães, 1322, Pinheiros)

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Resenha do livro - Autoridade do professor: meta, mito ou nada disso?

RESENHA


FURLANI, Lúcia Maria Teixeira. Autoridade do professor: meta, mito ou nada disso? 8. ed. São Paulo: Cortez, 2004.


A desvalorização do papel do professor


A autora inicia seu trabalho com uma provocação já no título, ao se referir à desvalorização do papel do professor na universidade. Apresenta uma relação entre a crise política que acompanha o desenvolvimento do mundo moderno em um amplo processo denominado de "crise cultural". Essa crise Uma crise acontece numa redefinição idéias, valores, crenças estão sendo questionadas, pois o ideário que servia de referencial para a postura humana revela-se inconsistente frente aos problemas criados por uma nova realidade. Esse novo contexto econômico internacionalizado impõe novos paradigmas.


O livro foi construído com a pretensão de auxiliar a identificação de alguns dos valores que permeiam a relação professor-aluno, de forma a contribuir, em última análise, para a compreensão da prática docente, prática essa que está envolvida, de forma complexa, em múltiplas outras relações. As relações ocorrem entre pessoas, grupos e fenômenos dentro dos sistemas de ensino e entre estes sistemas e a sociedade (isto é, suas instâncias econômicas, culturais e políticas).


Os elementos teóricos apresentados pela autora pretendem introduzir em primeiro lugar, o inquietar, por em questão, provocar nos leitores a discussão sobre a formulação da questão relacionada ao poder do professor, perguntar pelo seu sentido. Como base usa a citação de Deleule (1975, p. 19) para tomar o caminho da indagação e da comunicação, colocando em primeiro lugar a necessidade da própria indagação.


Nada disso – Abandonar as evidências sobre autoridade


Nesse momento a autora convida novamente o leitor a abandonar algumas das evidências que cercam as relações de autoridade, fazendo referência à necessidade de entendermos as relações de poder. Para tanto, assinala seis pontos essenciais à discussão.


1. Relações de poder


Nesse primeiro ponto observa que grande parte dos cientistas sociais refere-se ao poder como a capacidade de um agente para produzir determinados efeitos, sendo decorrente de uma relação social entre indivíduos, grupos ou organizações, em que uma das partes exerce controle sobre a outra, de forma autoritária, democrática ou permissiva.


Observa que a relação de influência entre pessoas, grupos, organizações se verifica quando alguém adere a interesses, valores, crenças ou modos de comportamento de outrem. Essa relação de poder e a adesão podem se dar com o consentimento ou não de quem adere.


De acordo com Lebrun (1948:13), citado pela autora, o sistema de comportamento socialmente imposto abrange também "os costumes, leis, preconceitos, crenças, paixões coletivas e tudo o mais que contribui para determinar a ordem social".


O poder não é, portanto, algo estranho ao corpo social, nem algo que se opõe sempre ao indivíduo. Este é o nome atribuído ao conjunto de relações que funcionam na espessura do corpo social. Por isso, o poder não é uma função qualquer na sociedade.


2. Relações de Autoridade


Nesse item a autora retoma a análise da relação professor-aluno que é pautada por alguns aspectos como a concretização de poder institucionalizada em nossa cultura da autoridade que tem o professor, como agente responsável, diante do sistema social mais amplo, pelo desempenho do grupo-classe.


Observa-se que as relações de autoridade não são somente baseadas no aspecto institucional; ela considera também, como exercícios diferenciais de poder, as relações que se estabelecem como autoridade em decorrência da competência do professor, competências essas que compreende o domínio teórico e prático dos princípios e conhecimentos que regem a instituição escolar.


3. Sociologia e Pedagogia do Consenso


Nesse momento a autora expõe a relação entre a Pedagogia do Consenso fundamentada nos conceitos liberais da Sociologia do Consenso. Esta pedagogia torna-se incapaz de equacionar devidamente os temas relacionados ao conflito, as mudanças e a inovação educacional. O funcionalismo preocupa-se apenas com as conseqüências da ação social, esquecendo-se de suas causas. Dentro da perspectiva da Sociologia do Consenso e da Pedagogia resultante dela, a autoridade se estabelece para atingir os objetivos ligados à eficiência e à racionalidade instrumental, descuidando dos aspectos éticos relacionados com os participantes do sistema educacional.


4. Sociologia e Pedagogia do Conflito


Esse item estende a abordagem iniciada no discurso anterior, associando a Pedagogia do Conflito com em a Sociologia do Conflito, fundamentada nos conceitos filosóficos e políticos de Marx e Engels e, para a autora ainda se estende também no século XIX, explora as potencialidades da dialética, com conceitos como poder, contradição, totalidade, mudança e emancipação.


5. Qualidade de vida humana coletiva


A autora fundamenta a idéia de qualidade de vida humana em dois valores éticos: liberdade e eqüidade, ambos devem atuar de forma conjugada, devendo refletir, em um contexto cultural específico, uma experiência cujo critério-chave será o desenvolvimento da qualidade da vida humana, respeitando os espaços de opção individual e promoção coletiva.


6. A autoridade dentro da Psicologia da Educação


A autora relaciona a autoridade com a Psicologia da Educação, enfatizando que os professores, os alunos e demais membros da comunidade universitária não podem anular, o que ela chama de um sistema de normas, que é exógeno ao sistema, e que, portanto não criariam, mas, por outro lado, refugiar-se atrás disso para recusar qualquer tipo de transformação representa uma atitude conformista e de autoritarismo.


Por que privilegiar a autoridade baseada na competência?


A tônica desse item é a autoridade do professor baseada na sua capacidade e sua autoridade surge através da competência e do empenho profissional dele, podendo estabelecer uma mediação democrática, através da ênfase predominante pontuada pela convergência entre liberdade e igualdade, tendo como critério norteador a qualidade de vida humana coletiva.


A autora defende que a autoridade exercida pelo professor, ao invés de ser baseada na legalidade da posição do professor, decorre da sua legitimidade. A autoridade está ligada aos papéis inerentes ao exercício da docência e se expressa em situações na qual a competência do professor o credencia como aquele que melhor poderá executar determinadas funções.


Para ela a autoridade é delegada pelos alunos ao professor que conseguem demonstrar competência e venha a atender as necessidades mútuas do professor e dos alunos.


O pressuposto dessa autoridade é a participação responsável, pois esta tende a afastar o perigo das soluções dogmáticas e fechadas. Por isto, denominamos a autoridade que assim é estabelecida como exercício conjunto do poder.


1. Autoridade baseada na posição hierárquica


Ao analisar-se a autoridade fundamentada na posição hierárquica, poderemos compreender uma relação intersubjetiva através da resposta que se dá a essa questão. E a partir daí questionar quem está em posição superior e quem esta em posição inferior? A autora destaca que entre professor e alunos, há uma relação de poder institucionalizado que se efetiva através da organização escolar.


2. A desigualdade no exercício do poder


A desigualdade no exercício do poder pode ser observada pelas concepções que colocam o professor como agente informador (na transmissão do conhecimento), como agente controlador (no disciplinamento da situação pedagógica), como agente classificador (na avaliação da mesma) e com uma vivência de modelos autoritários.


3. A ocultação do exercício do poder


Para a autora a ocultação do exercício do poder do professor é a concepção que abrange a descrição do papel do professor através das categorias já incluídas na desigualdade de poder, isto é, as funções priorizadas são as de informador, controlador, classificador e vivência de modelos autoritários. Ela sustenta que a ocultação do exercício do poder advém da desigualdade que é patente, através dos papéis exercidos pelos professores e alunos, porém a força que está sendo empregada é mantida oculta.


Para ela os sentimentos de culpa, de insatisfação, que atingem alguns professores que adotam a concepção e a postura de ocultação do exercício do poder parecem ser decorrentes dos sérios equívocos que "versões críticas parcializantes" têm trazido à concepção da prática escolar.


4. Autoridade baseada na competência e empenho do professor


A autoridade e empenho baseada na competência permite ao professor exercer a autoridade que lhe é atribuída para o desempenho dos papéis que facilitam um clima de negociação normal – isto é, com conflitos – dentro do qual o poder do aluno pode ser exercido de forma que haja influências mútuas.


5. Recusa de modelos (negação da autoridade)


A autora destaca a recusa de modelos quando o professor nega a autoridade, ele abandona o exercício do poder de transmitir conhecimento, disciplinar e avaliar a situação pedagógica e vivenciar modelos em seu relacionamento com os alunos que respeitem a singularidade de cada um e que sejam frutos de uma reflexão.


Papéis que integram a competência do professor


A autora enumera os comportamentos, isto é, as ações consideradas necessárias para o bom desempenho docente, de acordo com a análise de documentos oficiais que normalizam o papel do professor de ensino superior.


1. Transmissão do conhecimento


Há na transmissão de conhecimentos, uma natureza subjetiva que tem a ver com o contexto da situação, isto é, com o professor que transmite, com os alunos para quem o professor se dirige e com os fatos que o cercam numa sociedade historicamente determinada.


1.1 O professor como informador


A autora deixa bem claro ao tratar o papel do professor como informador, nessa condição ele privilegia a objetividade do conhecimento e sua reprodução idêntica em todas as classes, em detrimento do contexto em que ele é transmitido, o professor assume a concepção de mero informador.


1.2 O professor como didata


Já no papel de professor didata, mesmo considerando que o conhecimento está "acabado", sua transmissão pode permitir que o aluno refaça com o professor as etapas da experimentação científica, discuta os pressupostos teóricos e suas limitações, possibilitando que o mestre e seus alunos avancem em várias perspectivas, estamos nos deparando com a concepção de didata.


2. Disciplinamento da situação pedagógica


A autora destaca o disciplinamento pedagógico baseado na ação do professor que ensina e facilita a ocorrência de desempenhos adequados dos alunos, mas admitindo que exista, no trabalho escolar, um grau de restrição a comportamentos julgados indesejáveis. Ela avalia que o trabalho escolar não pode se desenvolver a revelia da observância de normas de conduta, de certas ordens, pois objetiva a aprendizagem, não sendo, portanto, um processo espontâneo ou apenas lúdico.


2.1 O professor como controlador


Não a dúvidas, a autora deixa bem claro que, na condição de professor controlador ele espera um aluno submisso, que respeite a 'autoridade', privilegiando valores do disciplinamento: a aceitação, a obediência, o respeito e a dependência do aluno, assumindo a concepção de controlador da expressão dos alunos.


2.2 Estratégias do professor controlador


Outro ponto enfatizado pela autora são as estratégias utilizadas pelo professor controlador e são amplamente conhecidas: o manejo da nota, o controle da presença do aluno pelo professor aparece como meio eficaz para conseguir sanar conflitos: dar um ponto na nota, retirá-lo ou aplicar uma prova difícil, anular uma prova, abonar faltas.


2.3 O professor facilitador


A autora destaca o papel do professor facilitador e que busca desempenhos adequados dos alunos e lembra que a disciplina não diz respeito apenas ao aluno, que é ou não indisciplinado, mas está associada com o autodomínio de professores e alunos em sala de aula.


2.4 Estratégias do professor facilitador


As estratégias do professor facilitador segundo a autora destacam-se pelo autodomínio de professores e alunos, baseado na co-responsabilidade por um trabalho coletivo, faz com que a cobrança possa ser efetuada por qualquer uma das partes, dentro de um contrato de trabalho no qual o professor tem obrigações delimitadas para atingir objetivos já aceitos. Isto faz com que esses contratos possam ser mais eficientemente cumpridos.


2.5 Ausência de disciplinamento


A autora destaca a ausência de disciplinamento e a idéia de que a estratégia de passar a responsabilidade ao grupo de alunos, a seu ver, surge quando o professor não sabe que comportamentos deve estimular. Assim, o grupo fica com responsabilidade, por exemplo, pela inclusão ou não do nome do aluno no trabalho a ser apresentado pelo grupo. A ausência de participação discente não é alvo de discussão: se o grupo resolver incluir ou excluí-lo, o professor atribuirá nota, sem discutir ou questionar a participação do aluno. Ela cita este caso como um é um exemplo da ocorrência de ausência de disciplinamento por parte do professor, já que esta função é passada para o grupo.


2.6 Indisciplina de quem: do aluno, do professor, da escola?


Ela acredita que a utilização, no disciplinamento, de estratégias visando o controle, seja motivo de insatisfação, tanto para professores, como para o aluno, na grande maioria dos casos. Quando há o controle ou a ausência de disciplinamento, podemos estar nos deparando com a existência de falhas na competência do professor e do aluno para exercer o poder conjuntamente.


3. Avaliação da situação pedagógica


Para a autora a escola ou, no caso, a universidade, toda ela está montada tendo em vista um sistema de avaliação de "quem entra" e "quem sai": o vestibular os exames, as teses, são múltiplos os processos de avaliação individual.


Ela cita Luckesi (1986), para evidenciar a avaliação da situação pedagógica. Apontando que a avaliação é um julgamento de valor sobre manifestações relevantes da realidade, tendo em vista uma tomada de decisão. Se é um juízo de valor, significa uma afirmação qualitativa sobre dado objeto, a partir de critérios preestabelecidos.


3.1 O professor como classificador


A autora também destaca o papel do professor como classificador que é norteado pelo comportamento do professor referente à classificação do produto que o aluno apresenta situa-se em: julgar o produto que o aluno apresenta nas provas e trabalhos e detectar as suas dificuldades, sendo a avaliação apenas uma forma de o aluno mostrar o que aprendeu ou não.


3.2 O professor como diagnosticador


Para o professor diagnosticador, conforme destaca a autora, a utilização da avaliação como diagnóstico efetuado pelo professor implica o julgamento do produto apresentado pelo aluno, combinado com a observação deste aluno, o que encaminha o mestre para uma reavaliação do planejamento, dos recursos utilizados e para uma auto-avaliação. É uma reorientação de seu trabalho e dos alunos, permitindo que o rigor técnico e científico os auxilie na tomada de decisão necessária para superar as dificuldades apresentadas na aprendizagem.


3.3 Avaliar o quê e para quê?


A autora enfatiza que sendo a avaliação um julgamento de valor, dentro de critérios preestabelecidos, estabelecendo determinados objetivos de cada matéria e da escola, mas destaca que nem todo desvio à norma padrão estabelecida tem a mesma importância para ao que está sendo julgado.


A avaliação deve privilegiar aspectos mais relevantes das condutas, como aquisições e habilidades priorizadas devem ser ratificadas, permitido aos alunos praticar, revisar e avaliar esses aspectos.


Há um aspecto da classificação do produto que o aluno apresenta que é necessário lembrar. Ao enfatizar a classificação, o professor e a escola não refletem a respeito da inadequação entre conteúdos tradicionalmente incorporados ao currículo escolar e as necessidades ou características da 'clientela'.


4. Vivência de modelos no relacionamento com os alunos


A autora destaca a importância de modelos no relacionamento com os alunos e destaca que não se deve considerar apenas e somente a capacitação técnica do professor (escolaridade, domínio de um ramo do conhecimento, experiência) que se exercita nos papéis que ele desempenha; também suas características afetivas, culturais e de personalidade se problematizam como parte dos papéis que são desempenhados, possibilitando que modelos sejam vivenciados quando o professor transmite o conteúdo, disciplina e avalia a situação pedagógica.


4.1 Modelos autoritários


Nos modelos autoritários, segundo a autora, ao transmitir-se o conhecimento, ao disciplinar e ao avaliar a situação pedagógica, o professor detém todo o conhecimento necessário, por isso não é dada a palavra ao aluno, que é avaliado positivamente se concordar ou referendar o sentido único que é atribuído ao conhecimento e apresentar comportamentos que não contestem esse sentido.


4.1.1 Autoritário explícito


Nesse exercício explícito de autoritarismo, fica evidente, a desigualdade do exercício do poder, fica claro no relacionamento quem dá a ordens e quem as obedece. Os professores detêm o centro da decisão, independentemente do grau de maturidade do aluno e valorizam a posição hierárquica porque temem o questionamento da ordem institucional, a ausência de lugar para quem exerce uma autoridade distante de críticas, de revisão e de avaliação.


4.1.2 Autoritário oculto


A ocultação do exercício do poder supõe a impessoalidade, porque a hierarquia não é voltada para os princípios de um bom ensino e para a responsabilidade do professor pela aprendizagem, mas o é para um sistema de normas externas impessoais ou ocultas ("não é o que eu queria..."). As atitudes do professor baseiam-se no que 'deve ser'.


4.1.3 E o que é conflito?


Para tratar a questão do conflito, a autora utiliza a citação do modelo de relacionamento humano de Gordon, destacando que conflito significa batalhas ou colisões que ocorrem entre duas ou mais pessoas, quando seus comportamentos interferem com o do outro no encontro de suas necessidades e quando seus valores não se combinam.


4.2 Modelos permissivos


Os modelos permissivos caracterizam-se pela total liberdade de expressão, na qual tudo é deixado acontecer em uma forma espontânea, sem limites. A autora também destaca a aceitação dos múltiplos sentidos dados pelos alunos, sem serem estes disciplinados, possibilitando uma luta pelo poder, que será ganha pelo aluno que dispuser de habilidades aceitas e legitimadas pela sociedade.

A permissividade não tem compromisso com a aprendizagem nem com instituições, enfatiza a autora, porque o professor não assume os papéis e as atitudes decorrentes deles, ocasionando assim ausência de orientação e direção da aprendizagem do aluno em aspectos unicamente dependentes do docente.


4.3 Modelos democráticos


A autora ressalta que a vivência democrática é o meio-termo entre o modelo autoritário e o modelo permissivo, caracterizando-se pela existência de diálogo; o conhecimento é desenvolvido, elaborado e reelaborado através de uma interação na qual o aluno tem também o direito de falar (sua experiência, nível de preparo para a matéria e suas características socioculturais são o ponto de partida para a orientação da aprendizagem).


4.4 Modelos democráticos: ainda uma utopia?


Para a autora pode parecer utópico falar-se em vivenciar modelos democráticos na relação professor-aluno, pois a quando sociedade brasileira ainda discute o que é democracia, ocorrendo muitas indefinições, neste aspecto, considerando-se a atual fase política denominada Nova República.


4.4.1 Idealismo ingênuo


O idealismo ingênuo, de acordo com a autora, acontece quando a aprovação, o afeto, a confiança, o respeito, a liberdade para expressão de idéias e sentimentos, a empatia aparecem ao lado da punição, da sugestão, da diplomacia, do 'saber jogar' e da ameaça; essa alternância, essa inconsistência, mostra-se confusa para os professores e deve refletir-se nos testes constantes que os alunos podem efetuar, a fim de conhecer os limites a serem respeitados na relação.


4.4.2 Desenvolvimento do ensino superior brasileiro


A autora destaca o dilema enfrentado por muitos docentes, que apesar de desejarem desenvolver em seus alunos autonomia, a autodisciplina e a autoconfiança, compreendendo-os e confiando em suas capacidades, nem sempre se consideram seguros para trabalhar com os alunos dotados destes quesitos. Ainda de acordo com autora os professores relatam que esses estudantes reagem tanto à recompensa quanto à punição apresentadas no disciplinamento da situação pedagógica, aumentando a impotência que sentem e levando-os a vivenciar modelos autoritários tradicionais.


4.4.3 Potencializar para os novos papéis...


Ao citar Skinner (1972), a autora concorda quando ele afirma que a maioria dos professores não deseja usar controles aversivos e se sentem infelizes com a sua utilização. Tais práticas continuam sendo usadas possivelmente porque os educadores não aprenderam a desenvolver outras alternativas mais eficazes e enriquecedoras.


4.4.3 fazendo a teoria virar prática


Para a autora os modelos teóricos apresentados, tanto na vivência autoritária quanto na democrática e na permissiva, devem ser entendidas dentro de sua natureza – a tória – e da subjetividade que propiciou sua elaboração.


O sonho não acabou?


O momento atual de interpretação das relações entre a educação universitária e a sociedade aponta para alguns caminhos que visam o resgate da função específica da escola. Para a autora, no entanto, uma análise crítica e realista sobre a universidade e o desempenho do papel do professor e do aluno já se apresenta de forma mais viva, apontando algumas explicações e sugestões.


Questões para debate


A autora destaca o momento atual de interpretação das relações entre a educação universitária e a sociedade, apresentando caminhos para uma nova realidade na escola:


1. A necessidade de serem discutidos integradamente os objetivos da escola, de forma a ser suprida a ausência de políticas claras para o setor educacional, direcionando-o e compatibilizando-o com os ideais democráticos defendidos pela sociedade.


2. A necessidade de que professores e educadores conheçam o perfil de seus alunos: suas experiências, suas necessidades, suas condições de vida.


3. Dotar o professor universitário de uma estrutura pedagógica que facilite o desempenho de seus papéis e a mudança de habilidades e atitudes.


Nas suas considerações finais a autora coloca que a escola e o professor competentes serão aqueles que conseguirem garantir aos alunos o domínio das habilidades relevantes para sua qualificação, habilidades que deverão ser corretamente avaliadas. Essa escola é aquela que irá conseguir formar bons alunos, bons professores, uma elite, independentemente do nível sócio-econômico destes alunos.


CRÍTICAS


O livro procura recuperar o discurso sobre autoridade, para tanto a autora relaciona este conceito com os diversos papéis que compõem a competência profissional do professor universitário. Nesse momento faço a primeira crítica em relação à competência do professor, pois a autora não deixa claro qual é essa competência ou quais as competências é ou são necessárias para o exercício da docência e a autoridade do professor e seu poder em relação aos alunos.


Apresenta suas argumentações como "uma abordagem inédita, contribuindo para a compreensão da autoridade, através de uma fecundação recíproca da Psicologia da Educação e da sociologia". Apresenta alguns aspectos sobre autoridade e poder interessantes, abre a discussão a respeito da relação entre professor e alunos, mas não poderíamos afirmar que se trata de algo inédito.


Concordo com a autora quando se refere a rapidez das mudanças no plano do conhecimento e as modificações dos processos históricos de transformação da sociedade, mas faço ressalvas se estão retirando ou não muito dos parâmetros que as pessoas possuíam para pensar a educação, a história e a si mesmas.


Onde está o delicado limite entre o autoritarismo, a autoridade e o niilismo ou nada? Um belo questionamento proposto pela autora, mas não li de forma cabal a resposta a esse questionamento. A autora faz alguns ensaios sobre o autoritarismo, a autoridade, quando ao niilismo - entendendo como a descrença absoluta na escola e no professor – não vejo uma proposta bem fundamentada.


Deve-se observar que o livro apresenta uma discussão não tão aprofundada em função da proposta editorial que é a apresentação de várias questões da nossa época num conjunto de vários livros abordando a educação.


A autora discorre sobre diferentes formas de exercício da autoridade docente, mas a meu ver não responde a indagação proposta no título à autoridade do professor e a relação com meta, mito ou nada disso? Não li nenhum ensaio tratando sobre mito ou mesmo meta. Trabalhou essencialmente com a autoridade do professor.


A autora cai na simples denúncia do autoritarismo, busca apresentar propostas que o ultrapassem, mas lembra que não se trata de "uma solução ou de um modelo, mas uma aproximação provisória do real, repleta de valores e temporalidade; portanto, sujeita à superação pela experiência única de outros educadores e sua capacidade de reinventar novos trajetos e horizontes". Porém, não apresenta efetivamente componentes práticos a que se propõe, sua argumentação fica no campo dos sonhos.

sábado, 11 de setembro de 2010

Jóis Alberto: Edgar Morin em Natal, antropologia e marxismo

O pensador francês Edgar Morin estará em Natal em 17 de setembro de 2010, quando a partir das 19h fará a conferência “O destino da Humanidade”, na Praça Cívica do Campus da UFRN, sendo em seguida realizada apresentação da Orquestra Sinfônica daquela Universidade. Ex-militante do PCF – Partido Comunista Francês nos anos 40, Morin, todavia, permaneceu dentro do campo democrático, sendo hoje considerado um dos grandes renovadores não só das Ciências Sociais, mas da Ciência como um todo.

Antropologia e marxismo

Edgar Morin figura ao lado de Claude Lévi-Strauss e Maurice Godelier como três dos mais importantes pensadores das Ciências Sociais na atualidade, como mostra o professor Edgar de Assis Carvalho no livro Enigmas da cultura (São Paulo: Cortez, 2003). São pensadores que tem mais pontos em comum do que divergências teóricas, o que tornou a tarefa do professor Assis Carvalho, titular de Antropologia da PUC/SP, mais prazerosa, porém não menos difícil, dada a complexidade teórica dos autores. A palavra complexidade, para esses pensadores, notadamente Morin, assume a acepção de ser um modo transdisciplinar de estudos, baseado na religação de todos os saberes.

No livro, Assis Carvalho critica certo relativismo ainda hoje presente na Antropologia, contestando o fato de que, para o relativismo, as culturas são unidades auto-suficientes, fechadas e coerentes em si mesmas. Analisa a atualidade das contribuições de Claude Lévi-Strauss, autor igualmente de uma vasta obra na qual se desfazem as dualidades entre arte e ciência, ciência e mito, razão e desrazão. Nessa direção, analisa a importância da lingüística para a criação do estruturalismo de Lévi-Strauss, que dialoga bem com a geologia, a psicanálise e o marxismo.

O autor faz referências ainda a polêmicas em torno das relações entre estruturalismo e marxismo, para, nesse sentido, criticar a posição contrária de alguns antropólogos acerca dessa relação, como ocorre em Eunice Durham. Carvalho defende a posição de Maurice Godelier, que, a partir de 1968, capitaneou uma geração de pensadores que “debruçou-se sobre uma arqueologia dos textos de Marx, principalmente os que versavam sobre as formas pré-capitalistas, para ali identificar um método de análise que fosse factível para sociedades sem classes”. Assis Carvalho conclui abordando os livros de Edgar Morin, reunidos numa ampla produção intelectual que podem ser divididos em sete macrotemas: Método, Complexus, Reforma, Antropologia Fundamental, Século XX, Política, Vivido , Transcrições Orais.


Jóis Alberto é Jornalista, poeta e mestrando em Ciências Sociais na UFRN

Todo brasileiro se sente uma ilha de democracia racial cercada de racistas

Entrevista: Lilia Moritz Schwarcz, antropóloga e historiadora

Por cerca de cem anos, intérpretes do Brasil encheram milhares de páginas na tentativa de definir o caráter nacional. Neste século, à medida que o país se molda à identidade de ator global emergente, pesquisadores além das fronteiras brasileiras passam a se interrogar sobre esse problema, que tanto preocupou no passado pensadores tão distintos como Sílvio Romero, Mário de Andrade, Gilberto Freyre, Florestan Fernandes e Raymundo Faoro. No dia 17 de agosto, o historiador americano Robert Darnton publicou em seu blog na revista The New York Review of Books um diálogo sobre the character of this new great power (o caráter desta nova grande potência, no caso o Brasil). Sua interlocutora era a brasileira Lilia Moritz Schwarcz, definida como “uma das melhores historiadoras e antropologas do Brasil”, além de proprietária da editora Companhia das Letras com o marido, Luiz Schwarcz. Ambos haviam iniciado a troca de ideias durante a Festa Literária de Paraty (RJ), em julho, e a conversa voltou-se quase naturalmente para as relações raciais no país.

Poucas profissionais de ciências humanas se empenham como Lilia na tentativa de estimular um debate interdisciplinar sobre a consolidação da identidade nacional a partir do tema das raças – um dos objetos da curiosidade de Darnton no diálogo da The New York Review of Books.

Brasileiro gosta de história?

Lilia Moritz Schwarcz – Durante muito tempo se disse que os brasileiros não gostavam de história. A universidade brasileira ficou bastante enquistada no seu próprio Olimpo, produzindo livros para ela mesma. Não há cultura que não goste de pensar em sua história, haja vista que não há povo que não crie seus mitos. O que são mitos senão uma forma de pensar a origem, o nascimento? O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss disse que a história, como disciplina, é o mito do Ocidente. Nós somos povos de história. Pensamos em amanhã, ontem, causa, efeito. Lemos jornais todos os dias e, como diz Benedict Anderson, o jornal é uma grande ilusão, porque o abrimos e temos a certeza de saber tudo que está acontecendo aqui e na China. Consumimos essa ideia, somos uma sociedade da temporalidade. Dizer que o Brasil não gosta de história é diagnosticar um problema que, talvez, possa estar nos historiadores. Impulsionada por pessoas que não são historiadores, como jornalistas e divulgadores, a história ganhou a área dos livros mais vendidos.

Isso é positivo?

Lilia – Na minha opinião, isso é bom porque deu um novo alento à historiografia nacional, que é de grande qualidade, mas que precisava sair de seus muros e ganhar um outro público. Isso também deu um novo fôlego à indústria editorial, que passou a procurar por esses autores. Escrevi um livro, As Barbas do Imperador, que originalmente era uma tese de livre-docência. Retirei um capítulo mais teórico, publiquei-o numa revista acadêmica, alterei muita coisa no texto principal. O livro não foi um best-seller como outros, mas jamais vi uma tese vender 75 mil cópias. Coordeno com Elio Gaspari uma coleção chamada Perfis Brasileiros, da Companhia das Letras, e os livros vendem muito bem. E nem falo nos livros de Fernando Morais, Ruy Castro e Eduardo Bueno. Há vários públicos, e cabe aos historiadores tomar parte nesse novo movimento.

Qual é a atitude da academia diante desse fenômeno?

Lilia – É preciso falar em “atitudes” e “academias”, no plural. De um lado, balançou positivamente. Alguns autores estão escrevendo de forma mais fácil. Não que tenham sido condicionados pelo público, mas foram animados por ele. A historiadora Laura de Mello e Souza acaba de entregar os originais da biografia de Cláudio Manuel da Costa (poeta barroco do século 18, participante da Inconfidência Mineira) para a coleção Perfis Brasileiros. É uma coleção sem nota de rodapé, na qual pedimos que os escritores não simplifiquem, mas tenham recursos de linguagem adaptados ao público não especializado. E a Laura, que é sem dúvida uma das figuras de ponta dessa historiografia no que se refere a pesquisa, rigor e apuração das fontes, ficou entusiasmada com essa perspectiva e vai lançar esse livro. A obra é uma beleza, sem concessões, mas voltada para o público mais amplo. Há reações como a de Mary del Priore, que saiu da academia e se dedica com muita maestria a produzir livros até por encomenda. Há um terceiro tipo de reação, negativa, que se diz contrária a se pautar pelo mercado e pela vendagem. De toda maneira, nas três reações há um lado positivo para a academia porque expressam um movimento. Quando comecei minha carreira acadêmica, a única possibilidade era seguir na universidade e dialogar com os pares. Os historiadores e cientistas sociais estão fortalecendo a universidade e seus locais de debate ou entrando na discussão pública, inclusive pelos jornais.

A sua área de origem é a história, mas a maior parte de sua carreira acadêmica foi feita nos marcos da antropologia. Como vê hoje a possibilidade de diálogo entre diferentes disciplinas em ciências humanas?

Lilia – O curso que estou dando em Porto Alegre é justamente voltado para novos desafios metodológicos. A resposta foi muito positiva. As pessoas estão mais motivadas a cruzar fronteiras e a se vitaminar com a fronteira. Na aula de hoje, eu disse: “Não vou aqui advogar que história é literatura. História não é literatura. A questão é outra: de que maneira as ciências sociais e humanas podem ter, de um lado, um olhar diferente sobre a literatura e, de outro lado, de que maneira a literatura serve para nós como um documento?” A pergunta é: como fazer boa história sem fazer má crítica literária e vice-versa? É um caminho difícil, mas que responde a uma certa crise disciplinar na qual as fronteiras estão muito borradas. Houve um momento em que nos guiávamos por divisões dicotômicas, como a de que a história lida com o tempo, e a antropologia, com o presente. Agora, sabemos que há muito presente no passado (porque voltamos ao passado com perguntas do presente) e que não há um presente alheio às questões do passado (porque ninguém chega ao presente com olhos limpos). Na história da arte, houve um momento em que se era formalista ou historicista, ou seja, se pegava somente convenções, escolas, tradições e estilo ou se via a obra de arte como reflexo de seu contexto. Agora, o grande desafio é pensar a dialética entre essas oposições. A história reflete o seu momento e também produz o seu momento. O mesmo ocorre com a literatura. O grande problema dos cientistas sociais ao lidar com literatura é que a tomam como um reflexo imediato e mecânico do contexto, quando o que é bonito na literatura é que, às vezes, ela produz contextos.

No caso do Brasil, quais livros teriam produzido seus contextos?

Lilia – A bola da vez é Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre. Você pode interpretar Casa-Grande e Senzala como reflexo dos anos 1930, com sua crítica aos modelos deterministas raciais, sua reinvenção do mestiço como grande fortuna nacional típica do Estado Novo. Ou como reflexo do modernismo, que, como diz o professor Antonio Candido, redescobre o negro e a mestiçagem que haviam sido esquecidos durante o Império. Mas ninguém pode negar que Casa-Grande e Senzala produziu o Brasil mestiço. Não é um mero reflexo.

A senhora participou, na Festa Literária de Paraty, em julho, de debates comemorativos do centenário de Gilberto Freyre. Como vê a recepção da obra dele hoje? Estamos nos aproximando de uma compreensão, digamos, mais equilibrada de seu legado?

Lilia – De um lado, sim. A Flip teve um lado bacana de não ter sido uma homenagem no sentido óbvio. Da primeira à última mesa (foram cinco no total), foi enfatizada a visão crítica. Houve um grande elogio do método, da originalidade no uso das fontes, da interpretação do Brasil como equilíbrio de antagonismos e da maneira como, em algumas obras, praticou o estilo do ensaio, dando a elas a imagem de uma incompletude totalmente proposital. Nas três grandes obras – Casa-Grande e Senzala, Sobrados e Mocambos e Ordem e Progresso –, o que impera é um Gilberto Freyre nada dogmático e que permite a dúvida. Por outro lado, há um Gilberto Freyre do último momento, nos livros mais tardios, que faz por encomenda do Ministério de Ultramar do governo de António de Oliveira Salazar (ditador de Portugal entre 1932 e 1968), como O Mundo que o Português Criou, que são uma defesa deslavada do colonialismo português diante dos movimentos de libertação das colônias. Esses livros foram usados para conter esses movimentos, praticando a ideia de uma vocação portuguesa para a liberdade, a mestiçagem e a harmonia entre as classes. Freyre corre o perigo de ser conhecido a partir de uma obra, Casa-Grande e Senzala, que é, de fato, o seu grande livro. Existe uma metáfora segundo a qual a ostra produz pérola e, quando doente, produz pedras. Ele era contraditório e assumia sua contradição. Para ele, o português era aventureiro e também violento. O melhor de Gilberto Freyre é quando ele fornece os dois lados o tempo todo. O pior, na minha opinião, é quando ele usa a mestiçagem para explicar que existem as ditaduras. Sou avessa a grandes comemorações porque, às vezes, tendem a gerar essencializações. Talvez tenhamos de sair deste Ano Gilberto Freyre para pensar nele como uma obra.

O Ano Gilberto Freyre coincide com o grande debate nacional sobre as cotas raciais nas universidades. Esse debate é positivo?

Lilia – A máxima de Florestan Fernandes segundo a qual existe um preconceito retroativo no Brasil (o preconceito de ter preconceito) continuava forte até 10 anos atrás. Em 1988, no Centenário da Abolição, organizei, juntamente com um grupo da USP, uma pesquisa sobre preconceito racial no Brasil. A primeira pergunta era: “Você tem preconceito?”. Não usávamos o qualificativo “racial”. Entre os entrevistados, 96% responderam “não”. A segunda pergunta era: “Você conhece alguém que tenha preconceito?”. Noventa e nove por cento das mesmas pessoas disseram “sim”. Quando perguntamos qual era o grau de relacionamento que tinham com essas pessoas, os entrevistados diziam que eram amigos próximos, pais, irmãos. A conclusão informal da pesquisa era de que todo brasileiro se sente uma ilha de democracia racial cercada de racistas por todos os lados. Houve um momento na nossa história em que esse tema era um tabu na acepção de Lévi-Strauss, ou seja, que não se discute porque dá azar. Isso é um grande problema. Não poder falar de algo é um problema maior do que praticá-lo. As cotas raciais serviram, no mínimo, para pedir que as pessoas discutissem o problema. Se fosse só por isso, já seria muito bom. Fizemos um censo racial na USP que foi considerado racista por perguntar qual era a raça das pessoas. Tivemos uma modalidade de resposta muito recorrente: “Eu não tenho esse problema”. Então quem tem esse problema? Os negros?

Qual é a sua posição sobre as cotas raciais?

Lilia – Sou favorável a ações afirmativas, que estamos fazendo na USP. Acredito em discutir Áfricas nas escolas, fazer com que a população negra tenha autoestima. Num trabalho em que entrevistamos crianças, elas choram ao dizer que não podem ser anjos nem Branca de Neve nas dramatizações. Não há heroínas negras. Não quero dizer que não se pode estudar história da Europa. Mas acho que, se vamos estudar França e Inglaterra, estudar as várias Áfricas também é interessante e pode mudar a autoestima dessa população. Sou favorável a bônus, e não cotas. A ideia de cotas traz sempre à tona o tema correto do mérito e da meritocracia. Concordo que raça é um conceito destruído pela biologia. Mas a nossa sociedade constrói conceitos pragmáticos e não biológicos. Sei que raça não existe, mas é indiscutível que essa ideia é reinventada pela sociedade e ganha uma feição primordial. Na questão do mérito, concordo que é preciso estabelecer igualdade numa sociedade de iguais. Mas a interrogação que fica parte do fato de que as pessoas que vão fazer vestibular não são iguais. A universalidade é formal, na minha opinião. Em São Paulo, os melhores colégios são de elite, privados, frequentados por pessoas que fazem escolas de idiomas. Há a população que vem de escola pública, trabalha e não pode cursar idiomas.

luiz.araujo@zerohora.com.br
POR LUIZ ANTÔNIO ARAUJO