segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Movimento operário e sindicalismo



Na Europa, as atividades de formação sindical e/ou operária desenvolveram-se já a partir do século passado. A preocupação com a educação permanente e com a difusão da cultura vem do exemplo das University Extensions ou das Universidades populares dinamarquesas, criadas na metade do século XIX e que se desenvolveram também em outros países entre o fim do século XIX e o início do século XX. É importante salientar que a formação sindical, além de adaptar-se às exigências e às formas de cada organização sindical, é, em geral, fortemente condicionada pela relação entre os intelectuais e a sociedade.
É interessante frisar - em uma breve retrospectiva histórica - que num país como a França, até 1914, o problema da formação operária ocupa um lugar relativamente secundário na vida sindical. O estudo e a cultura não constituem ainda "centros de reflexão autônomos". São preocupações ocasionais que surgem por conta da formação técnico-profissional. A partir de 1919 nos congressos promovidos pelas centrais sindicais (C.G.T. - Confédération Générale du Travail - e C.F.T.C. - Confédération Française des Travailleurs Chrétiens) o problema da formação põe-se principalmente nos relatórios apresentados pelos militantes. Surgem ainda as "sessões confederais de estudos e práticas sindicais" e as escolas normais operárias - em duas ou três regiões de Lyon e Paris. Em 1932, a C.G.T. cria o Centro Confederal de Educação Operária que dá origem, em Paris, a um Instituto Superior Operário, e aos Colégios do Trabalho noutras regiões. Entre 1948 e 1950, cada central sindical coincidentemente está preocupada com a instalação e normalização das suas estruturas educativas. Disto decorre "o fato de cada central sindical valorizar os problemas da formação pelo estudo, considerada como uma das duas ou três condições fundamentais para a existência de um sindicalismo forte. Por conseqüência, assiste-se ao acabamento da constituição dos dispositivos de formação. No plano nacional, são as três escolas centrais: de Bierville para a C.F.T.C., de Courcelles para a C.G.T. e da Avenida do Maine, em Paris, para a F.O. Cada central define igualmente toda uma política educativa, com aspectos comuns a todas [...] mas também com aspectos particulares a cada uma" (DAVID, 1974, p. 291). Em 1956 foram criados os Institutos Universitários do Trabalho e entre 1960-61, "o movimento operário, ao mesmo tempo que acentua o seu esforço de educação dos militantes, situa-se de maneira cada vez mais clara dentro de uma perspectiva cultural alargada. [...] Em resumo, as organizações sindicais estão de acordo em estar presentes nas instâncias que contribuem para a realização da política de desenvolvimento cultural" (DAVID, 1974, p. 292-293).
Ao instituir a idéia da formação permanente, o movimento sindical cumpriu uma função proeminente, sobretudo quando se realizou o entrelaçamento entre movimento operário e movimentos de caráter intelectual. Assim, na França teve um papel decisivo o movimento que legaram intelectuais e trabalhadores em 68 e que levou aos acordos de Grenelle entre governo e sindicatos, que deram início à legislação sobre formação permanente e a formação profissional contínua. Desse modo, os trabalhadores podem gozar de licenças remuneradas até seis meses por ano, a cargo do fundo para a formação. E também pode ser reconhecida a experiência de trabalho como título para ter acesso à universidade, mesmo quando não tenham obtido o título de estudo de escola de 2º grau.
Legislações e apoios não podem ser explicados simplesmente por uma espécie de colaboração e reformismo. Na realidade, a sensibilidade e o aguerrimento dos sindicatos e dos intelectuais envolvidos foram determinantes para experiências tão importantes. Em países como a Bélgica, a França, a Alemanha, a Grã-Bretanha e a Suécia os sindicatos gozam de licenças remuneradas, tuteladas pela lei, para participar das atividades de formação sindical. As licenças remuneradas em alguns casos referem-se a todos os trabalhadores, enquanto em outros lugares existem para quem desenvolve atividade sindical a partir dos membros dos comitês de empresa, com um número de horas mais ou menos extenso e com a possibilidade a mais de um país de usufruir de licenças ainda mais amplas para quem desempenha a própria militância sindical como formador. Ainda entre os países referidos anteriormente, existem formas de apoio à formação sindical. Em alguns países "existem contribuições específicas para a formação desenvolvida pelos sindicatos, em outros as formas de apoio são em geral para a educação permanente e para os adultos, nos quais entram também os centros de formação sindical [...]" (MEMO, s/d, p. 8-9).
Na Grã-Bretanha, a relação entre movimento sindical, universidade e escola pública tem uma tradição bem mais longa, que parte da instituição do Ruskin College em Oxford em 1899, com o apoio dos sindicatos e que se amplia de maneira significativa depois de 1920, quando a "Universidade de Nottingham em primeiro lugar dá início a uma faculdade aberta, cujo objetivo não é o de conceder títulos de graduação, mas de promover a educação permanente na sociedade. Em 1922, também em Nottingham institui-se a primeira cadeira de educação de adultos" (MEMO, s/d, p. 7). Hoje, apesar da ação dos governos conservadores ao longo dos anos oitenta, que reduziu os fundos à disposição da formação sindical, na Grã-Bretanha "382 são os tutores contratados pela universidade e colleges, que dedicam a maior parte do tempo aos cursos sindicais: tanto nos institutos superiores, técnicos e políticos, onde se desenvolvem os cursos com licença remunerada para os representantes de departamentos e os funcionários da segurança nos locais de trabalho, [...] como nas universidades onde se desenvolvem outras atividades em colaboração com o sindicato" (MEMO, s/d, p. 7).
As necessidades de formação não diminuem com o aumento do nível de instrução, mas, ao contrário, crescem. De acordo, com Roger Cantigneau, responsável pela formação sindical da Confederação dos sindicatos cristãos belgas, "com o aumento dos níveis de instrução hoje, os trabalhadores não aceitam mais seguir as indicações dos grupos dirigentes do sindicato sem discutir a fundo as razões; é, além disso, impensável um maior papel dos organismos de representação das empresas sem fornecer a eles os instrumentos culturais e informativos necessários" (MEMO, s/d, p. 10). No caso belga tanto a Confederação dos Sindicatos Cristãos - CSC quanto a Federação Geral dos Trabalhadores da Bélgica - FGTB, estão empenhadas em atividades culturais, formativas e de pesquisa e é interessante observar que sozinhas representam mais de 90% dos trabalhadores.
No Brasil, a preocupação educacional no movimento operário-sindical inicia-se com as propostas educativas dos libertários, particularmente dos grupos anarco-sindicalistas, englobando os anos 1902/1920. O projeto educativo dos libertários tinha três dimensões que se ligavam entre si: a educação político-sindical, a educação escolar e as práticas culturais de massa. Sílvia M. Manfredi, em um texto fundamental sobre experiências e práticas de educação dos trabalhadores brasileiros7, destaca que a concepção educacional anarquista "articulava as práticas educativas [...] com outras práticas no campo cultural e do lazer, de caráter massivo e popular. Teatros, festivais de música e poesia, piqueniques eram constantemente promovidos pelos libertários nos bairros operários dos centros industrializados da época" (MANFREDI, 1996, p. 25-26).
Sílvia M. Manfredi enfatiza sobretudo no projeto de educação dos libertários o seu "caráter globalizante" (aspectos culturais, educativos e libertários) que o caracterizava "como um projeto de educação classista [...] voltado para a emancipação político-ideológica e cultural da classe operária". Dessa forma, os libertários propuseram a construção de um "projeto educativo singular, próprio e autônomo" (MANFREDI, 1996, p. 26).
Entre 1945 e 1950, cabe ressaltar as iniciativas de educação sindical assumidas por partidos e organizações de esquerda. Nesse sentido, a atuação e as propostas do Partido Socialista Brasileiro, bem como a surpreendente recriação da universidade popular dos anarquistas em 1945, são tópicos essenciais nesse período. Do mesmo modo, a presença do PCB no movimento operário-sindical é de fundamental relevância. O que se percebe no partido é o nítido privilégio conferido à formação político-partidária (formação de quadros), à qual se resumia, em última análise, sua prática de "educação sindical" (cf. MANFREDI, 1996, p. 45-66).
Vale realçar a experiência das escolas do PCB no que tange sobre a pedagogia comunista. E é bom destacar, entre outras coisas, a desvinculação entre partido e bases e a desqualificação dos próprios dirigentes sindicais - chamados de "sindicaleiros" -, dando uma mostra da visão de educação do PCB.
Em matéria de educação sindical multiplicaram-se por todo o Brasil - no período compreendido entre as décadas de 70 e 80 - experiências de formação em sindicatos de setores mais organizados e ativos na condução do movimento (metalúrgicos, químicos, bancários, petroleiros etc.), assim como os sindicatos passaram a organizar seus departamentos de educação e cultura e a ensaiar programas mais articulados de formação sindical. Cabe salientar as experiências levadas a efeito nesse período nos seguintes sindicatos: Metalúrgicos de São Paulo (São Paulo), Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (São Paulo), Metalúrgicos da Baixada Santista (Santos/SP), Metalúrgicos de Monlevade (Minas Gerais), Bancários de São Paulo (São Paulo), Telefônicos (Minas Gerais), Químicos de São Paulo e do ABC (São Paulo), Sapateiros (Franca/SP); entre as federações destacaram-se as dos trabalhadores rurais de Minas Gerais (Fetamg), Pernambuco (Fetape) e a Federação da Alimentação do Rio Grande do Sul. Entre as confederações, há que se evidenciar a importância do trabalho desenvolvido pela Contag. Entre os grupos de oposição sindical há que se fazer referência à experiência da OSMSP - Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (cf. MANFREDI, 1996, p. 115-117).

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