A indústria cultural, segundo
Adorno e Horkheimer, possui padrões que se repetem com a intenção de formar uma
estética ou percepção comum voltada ao consumismo.
Apesar de a Indústria Cultural ser um
fator primordial na formação de consciência coletiva nas sociedades
massificadas, nem de longe seus produtos são artísticos. Isso porque esses
produtos não mais representam um tipo de classe (superior ou inferior,
dominantes e dominados), mas são exclusivamente dependentes do mercado.
Essa visão permite compreender de que forma age a
Indústria Cultural. Oferecendo produtos que promovem uma satisfação
compensatória e efêmera, que agrada aos indivíduos, ela impõe-se sobre estes,
submetendo-os a seu monopólio e tornando-os acríticos (já que seus produtos são
adquiridos consensualmente).
Camuflando as forças de classes, a Indústria
Cultural apresenta-se como único poder de dominação e difusão de uma
cultura de subserviência. Ela torna-se o guia que orienta os indivíduos em um
mundo caótico e que por isso desativa, desarticula, qualquer revolta contra seu
sistema. Isso quer dizer que a pseudo felicidade ou satisfação promovida pela Indústria
Cultural acaba por desmobilizar ou impedir qualquer mobilização crítica
que, de alguma forma, fora o papel principal da arte (como no Renascimento, por
exemplo). Ela transforma os indivíduos em seu objeto e não permite a formação
de uma autonomia consciente.
Englobando a sociedade como um todo, com um
pequeno número de evasão, é quase impossível romper com tal sistema produtivo.
Aqueles que se submetem a esse modelo de indústria nada mais fazem que falar de
modo diferente a mesma coisa. Porém, uma certa crítica ainda pode ser vista
naqueles que fomentam um tipo de arte que produz efeitos estéticos fora da
padronização oferecida pela indústria. Mesmo assim, é uma tentativa que fica à
margem do sistema porque não agrada àquelas consciências acostumadas com um
modelo estandardizado.
O próprio Adorno, como um dos integrantes da Escola
de Frankfurt, onde foi desenvolvida a Teoria Crítica, construiu um tipo de
música calculada nos moldes das músicas clássicas e eruditas, mas com uma
melodia aparentemente horripilante aos ouvidos acostumados aos acordes da
música clássica tradicional (leia-se burguesa). Sua pretensão é justamente
desacostumar a percepção daquela noção tradicional de ordem e harmonia (já que
sua música só parece desarmônica, mas na verdade é totalmente ordenada e
arranjada – dodecafônica) prevalecente na cultura burguesa vigente à época.
Para Adorno e Horkheimer, Indústria Cultural
distingue-se de cultura de massa. Esta é oriunda do povo, das suas
regionalizações, costumes e sem a pretensão de ser comercializada, enquanto que
aquela possui padrões que sempre se repetem com a finalidade de formar uma
estética ou percepção comum voltada ao consumismo. E embora a arte clássica,
erudita, também pudesse ser distinta da popular e da comercial, sua origem não
tem uma primeira intenção de ser comercializada e nem surge espontaneamente,
mas é trabalhada tecnicamente e possui uma originalidade incomum – depois pode
ser estandardizada, reproduzida e comercializada segundo os interesses da Indústria
Cultural.
Assim, segundo a visão desses autores, é
praticamente impossível fugir desse modelo, mas deveríamos buscar fontes
alternativas de arte e de produção cultural, que, ainda que sejam utilizadas
pela indústria, promovessem o mínimo de conscientização possível.
Adorno e a Indústria Cultural
A
Indústria Cultural impede a formação de indivíduos autônomos, independentes,
capazes de julgar e de decidir conscientemente.[1]
[2] Com as palavras do próprio Adorno, podemos
compreender o porque das suas reflexões acerca desse tema.
Theodor Wiesengrund-Adorno, em
parceria com outros filósofos contemporâneos, estão inseridos num trabalho
muito árduo: pensar filosoficamente a realidade vigente. A realidade em que
vivia estava sofrendo várias transformações, principalmente, na dimensão
econômica. O Comércio tinha se fortalecido após as revoluções industriais,
ocorridas na Europa e, com isso, o Capitalismo havia se fortalecido
definitivamente, principalmente, com as novas descobertas cientificas e,
conseqüentemente, com o avanço tecnológico. O homem havia perdido a sua
autonomia. Em conseqüência disso, a humanidade estava cada vez mais se tornando
desumanizada. Em outras palavras, poderíamos dizer que o nosso caro filósofo
contemplava uma geração de homens doentes, talvez gravemente. O domínio da
razão humana, que no Iluminismo era como uma doutrina, passou a dar lugar para
o domínio da razão técnica. Os valores
humanos haviam sido deixados de lado em troca do interesse econômico. O que
passou a reger a sociedade foi a lei do mercado, e com isso, quem conseguisse
acompanhar esse ritmo e essa ideologia de vida, talvez, conseguiria sobreviver;
aquele que não conseguisse acompanhar esse ritmo e essa ideologia de vida
ficava a mercê dos dias e do tempo, isto é, seria jogado à margem da sociedade.
Nessa corrida pelo ter, nasce o individualismo, que, segundo o nosso filósofo,
é o fruto de toda essa Indústria
Cultural.
Segundo Adorno, na Indústria Cultural, tudo se torna
negócio. Enquanto negócios, seus fins
comerciais são realizados por meio de sistemática e programada exploração de
bens considerados culturais.[2]
[3] Um exemplo disso, dirá ele, é o cinema. O que antes era um mecanismo de
lazer, ou seja, uma arte, agora se tornou um meio eficaz de manipulação.
Portanto, podemos dizer que a Indústria
Cultural traz consigo todos os elementos característicos do mundo
industrial moderno e nele exerce um papel especifico, qual seja, o de portadora
da ideologia dominante, a qual outorga sentido a todo o sistema.
É importante salientar que, para
Adorno, o homem, nessa Indústria Cultural,
não passa de mero instrumento de trabalho e de consumo, ou seja, objeto. O
homem é tão bem manipulado e ideologizado que até mesmo o seu lazer se torna
uma extensão do trabalho. Portanto, o homem ganha um coração-máquina. Tudo que
ele fará, fará segundo o seu coração-máquina, isto é, segundo a ideologia
dominante. A Indústria Cultura, que
tem com guia a racionalidade técnica esclarecida, prepara as mentes para um
esquematismo que é oferecido pela indústria da cultura – que aparece para os
seus usuários como um “conselho de quem entende”. O consumidor não precisa se
dar ao trabalho de pensar, é só escolher. É a lógica do clichê. Esquemas
prontos que podem ser empregados indiscriminadamente só tendo como única
condição a aplicação ao fim a que se destinam. Nada escapa a voracidade da Indústria Cultural. Toda vida torna-se
replicante. Dizem os autores:
Ultrapassando de longe o teatro de ilusões, o filme
não deixa mais à fantasia e ao pensamento dos espectadores nenhuma dimensão na
qual estes possam, sem perder o fio, passear e divagar no quadro da obra
fílmica permanecendo, no entanto, livres do controle de seus dados exatos, e é
assim precisamente que o filme adestra o espectador entregue a ele para se
identificar imediatamente com a realidade. Atualmente, a atrofia da imaginação
e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzida a
mecanismos psicológicos. Os próprios produtos (...) paralisam essas capacidade
em virtude de sua própria constituição objetiva (ADORNO
& HORKHEIMER, 1997:119).
Fica claro portanto a grande intenção da Indústria Cultural: obscurecer a
percepção de todas as pessoas, principalmente, daqueles que são formadores de
opinião. Ela é a própria ideologia. Os
valores passam a ser regidos por ela. Até mesmo a felicidade do individuo é
influenciada e condicionada por essa cultura. Na Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer exemplificam este
fato através do episódio das Sereias da epopéia homérica. Ulisses preocupado
com o encantamento produzido pelo canto das sereias tampa com cera os ouvidos
da tripulação de sua nau. Ao mesmo tempo, o comandante Ulisses, ordena que o
amarrem ao mastro para que, mesmo ouvindo o cântico sedutor, possa enfrentá-lo
sem sucumbir à tentação das sereias. Assim, a respeito de Ulisses, dizem os
autores:
O
escutado não tem conseqüências para ele que pode apenas acenar com a cabeça
para que o soltem, porém tarde demais: os companheiros, que não podem escutar,
sabem apenas do perigo do canto, não da sua beleza, e deixam-no atado ao mastro
para salvar a ele e a si próprios. Eles reproduzem a vida do opressor ao mesmo
tempo que a sua própria vida e ele não pode mais fugir a seu papel social. Os
vínculos pelos quais ele é irrevogavelmente acorrentado à práxis ao mesmo tempo
guardam as sereias à distância da práxis: sua tentação é neutralizada em puro
objeto de contemplação, em arte. O acorrentado assiste a um concerto escutando
imóvel, como fará o público de um concerto, e seu grito apaixonado pela
liberação perde-se num aplauso. Assim o prazer artístico e o trabalho manual se
separam na despedida do antemundo. A epopéia já contém a teoria correta. Os
bens culturais estão em exata correlação com o trabalho comandado e os dois se
fundamentam na inelutável coação à dominação social sobre a natureza (ADORNO
& HORKHEIMER, 1997:45).
É importante frisar que a grande
força da Indústria Cultural se
verifica em proporcionar ao homem necessidades. Mas, não aquelas necessidades
básicas para se viver dignamente (casa, comida, lazer, educação, e assim por
diante) e, sim, as necessidades do sistema vigente (consumir incessantemente).
Com isso, o consumidor viverá sempre insatisfeito, querendo, constantemente,
consumir e o campo de consumo se torna cada vez maior. Tal dominação, como diz
Max Jimeenez, comentador de Adorno, tem sua mola motora no desejo de posse
constantemente renovado pelo progresso técnico e científico, e sabiamente
controlado pela Indústria Cultural.
Nesse sentido, o universo social, além de configurar-se como um universo de
“coisas” constituiria um espaço hermeticamente fechado. E, assim, todas as
tentativas de se livrar desse engodo estão condenadas ao fracasso. Mas, a visão
“pessimista” da realidade é passada pela ideologia dominando, e não por Adorno.
Para ele, existe uma saída, e esta, encontra-se na própria cultura do homem: a
limitação do sistema e a estética.
Na Teoria Estética, obra que
Adorno tentará explanar seus pensamentos sobre a salvação do homem, dirá ele
que não adiante combater o mal com o próprio mal. Exemplo disso, ocorreram no
nazismo e em outras guerras. Segundo ele, a antítese mais viável da sociedade
selvagem é a arte. A arte, para ele, é que liberta o homem das amarras dos
sistemas e o coloca com um ser autônomo, e, portanto, um ser humano. Enquanto
para a Indústria Cultural o homem é
mero objeto de trabalho e consumo, na arte é um ser livre para pensar, sentir e
agir. A arte é como se fosse algo perfeito diante da realidade imperfeita. Além
disso, para Adorno, a Indústria Cultural
não pode ser pensada de maneira absoluta: ela possui uma origem histórica e,
portanto, pode desaparecer.
Por fim, podemos dizer que Adorno
foi um filósofo que conseguiu interpretar o mundo em que viveu, sem cair num
pessimismo. Ele pôde vivenciar e apreender as amarras da ideologia vigente,
encontrando dentro dela o próprio antídoto: a arte e a limitação da própria Indústria Cultural. Portanto, os
remédios contra as imperfeições humanas estão inseridos na própria história da
humanidade. É preciso que esses remédios cheguem a consciência de todos (a filosofia tem essa finalidade), pois,
só assim, é que conseguiremos um mundo humano e sadio.
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