Drogas, Imperialismo e
Luta de Classe
Bacharel e
Licenciado em Ciências Sociais pela PUC-SP e professor da rede pública estadual
de São Paulo. O artigo é baseado no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)
entregue pelo autor, sob orientação do professor Adrian Ribaric.
Resumo:
Este
artigo trata da importância da economia da droga para o capitalismo, buscando
demonstrar o papel da droga como um elemento de destruição das forças
produtivas, destruindo a principal: a força de trabalho. Desemprego,
desindustrialização e narco-reciclagem das economias serão os fatores que
contribuirão para o desenvolvimento do narcotráfico a partir da década de
1970. O crescimento da economia especulativa leva a necessidade de
controlar os gigantescos fluxos de capitais dos narco-dólares que irrigam o
sistema financeiro. Este é o sentido de propostas reacionárias de defesa da
legalização das drogas. Combater a produção de drogas significa combater as
políticas de ajuste estrutural sob a qual o narcotráfico encontra
seu sustento. A luta contra as drogas, do ponto de vista da luta de
classe, é fundamental para todos aqueles que defendem a emancipação humana e
a revolução social.
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A droga não
é um fenômeno marginal
Nunca houve
no mundo tantas drogas. A economia da droga movimenta cerca de 300 a 500
bilhões de dólares ao ano abastecendo um mercado de aproximadamente 200 milhões
de pessoas. Esse número corresponde a 5% da população mundial entre 15 e 64
anos (ONU, 2005). A economia da droga irá se desenvolver a partir do final da
década de 1970, início de 1980. Mas, o que permitiu o desenvolvimento do
narcotráfico e quem lucrará com esse negócio?
O comércio
de drogas tornou-se um dos mercados mais rentáveis do mundo. Cerca de 90% das
receitas do tráfico vão para os bancos e são lavadas no sistema financeiro
internacional. Os 10% restantes são repatriados aos países produtores e, são
divididos entre os traficantes. A rentabilidade da droga é estimada em cerca de
3.000% enquanto que os camponeses ficam com apenas 0,1% do volume final dos
negócios (KOPP, 1998).
O Brasil, um
dos principais corredores de drogas do mundo é considerado pela ONU um “mercado
de expansão do tráfico” (ONU, 2004). No nordeste, na região conhecida como
“polígono da maconha”, a droga tornou-se a alternativa de sobrevivência dos
agricultores arruinados. Um relatório produzido por uma comissão da Câmara dos
Deputados em 1997 sobre a região afirmava que:
(…) a falta de uma política agrícola que garanta
assistência técnica e preços justos, além da falta de investimentos sociais,
tem servido de estímulo para que pequenos produtores optem pela maconha em vez
de tomate, melancia, cebola e melão, base da agricultura irrigada do São
Francisco. (MENEZES, 2001)
Desemprego,
drogas, criminalidade…cada vez mais jovem
Segundo a
OIT[1] (Organização Internacional do Trabalho) em
2003, 88 milhões de desempregados no mundo eram jovens. Esse número
correspondia a 47,3% do total de desempregados do mundo mesmo sendo os jovens
(de 15 a 24 anos) apenas 25% da população mundial.
Diante desse
fato o aumento das atividades criminosas aparece como a única saída. Segundo Dorothea Schmitd (OIT, 2003) co-autora do
relatório:
Há regiões
em que você não tem trabalho, não tem alternativa. É especialmente nessas
regiões que vemos, ao lado de um aumento do desemprego, um aumento das
atividades ilegais.
Relatório da
ONU (2005) aponta que 18% dos jovens entre 15 e 24 anos vivem com menos de US$
1 por dia. A cifra sobe para 45% se considerarmos os jovens que vivem com menos
de US$ 2 (515 milhões de jovens) por dia.
O uso de
drogas é cada vez mais cedo. De acordo com o Cebrid (Centro Brasileiro de
Informações sobre Drogas Psicotrópicas) em 1997, o percentual de adolescentes
do país que já consumiram drogas entre 10 e 12 anos de idade é extremamente
significativo: 51,2% já ingeriram bebida alcoólica; 11% usaram tabaco; 7,8%
solventes; 2% ansiolíticos e 1,8% anfetamínicos (SENAD, 2003).
Em 2002 é
publicado um estudo tendo por base o envolvimento de jovens no tráfico na
cidade do Rio de Janeiro na qual se demonstrou um aumento no número de crimes
na década de 1990 e ao mesmo tempo a redução da idade do ingresso das crianças
no narcotráfico. A média de 15-16 anos nos anos 1990 caiu para 12-13 anos em 2000.
Os jovens são em sua maioria pobres, negros e com baixa escolaridade (média de
6,4 anos).
Entre 1996 e
2000 foram presas e atendidas na 2ª Vara da Infância e Juventude na cidade do
Rio de Janeiro, 25.488 crianças. Os crimes envolvendo drogas representaram 36%
dos casos. Desse total, 23% foram por tráfico e 13% por uso (OIT, 2002).
Drogas e capitalismo vão unidos
O comércio
de drogas esteve vinculado à expansão internacional do capitalismo e também à
sua expansão colonial-militar. Como testemunha as guerras do ópio (1840-1860).
Os portugueses, a partir do século XVI e XVII, começam a comercializar ópio que
compram na Índia e introduzem na China. No século XVIII os ingleses substituem
os portugueses. Em 1729 o ópio é proibido pelo governo chinês.
A Inglaterra
obtinha lucros na época, da ordem de 11 milhões de dólares com o tráfico de
ópio para a cidade chinesa de Lintim. Na mesma época, o volume do comércio de outros produtos era de 6
milhões de dólares (COGGIOLA, 1991). Desde 1779 o ópio era um monopólio da East Indian Company (Companhia das Índias
Ocidentais). Tudo isso aconteceu com a aprovação declarada e, documentalmente
registrada, do parlamento inglês.
A droga como
“negócio” também era observada por MARX (1978, p 67):
A fuga
constante da prata causada pelas importações de ópio, tinha começado a afetar o
Tesouro público e a circulação monetária do Império do Sol. Hsu Naichi, um
homem de estado chinês dos mais distintos, propôs a legalização do comércio de
ópio para fazer dinheiro com isso; mas, depois de grande discussão, na qual
participaram todos os altos funcionários do império e que se estendeu por um
período de mais de um ano, o Governo chinês decidiu que, ‘por causa dos males
que infligia ao povo, o tráfico nefasto não deveria ser legalizado’.
O governo
chinês alarmado pelos efeitos do ópio bem como pelo roubo do ouro e da prata
apela a Rainha Victória, que não dá
ouvidos. Os chineses começam então a destruir o carregamento de ópio e a
Inglaterra então declara guerra. O resultado é a invasão inglesa com derrota da
China, que é obrigada a ceder Hong Kong.
O uso
generalizado de drogas apenas é possível quando esta se converte em mercadoria
de alta rentabilidade. A produção massiva de drogas ocorrerá apenas a partir da
Revolução Industrial. A agricultura industrial voltada à produção para mercados
externos dá lugar à produção massiva de drogas. De acordo com COGGIOLA (1991, p
136):
a grande transformação das economias monoprodutoras
em narcoprodutoras e o grande salto do consumo dos EUA e na Europa se produziu
durante os anos oitenta, quando os preços das matérias primas despencaram no
mercado mundial: açúcar (-64%), café (-30%), algodão (-32%), trigo (-17%). A
crise econômica mundial exerceu uma pressão formidável em favor da
narco-reciclagem das economias agrárias, que redundou num aumento excepcional
de oferta de narcóticos nos países industriais e no mundo todo.
Essa
narco-reciclagem das economias é a expressão direta das políticas de “ajuste
estrutural” impostas pelo FMI e o Banco Mundial. A privatização de diversos
setores das economias em muitos países resulta na supressão de milhões de
empregos. Tudo isso provoca uma transferência maciça de mão de obra para a
economia dita “informal” e em particular para a produção de drogas, em países como
Bolívia, Peru, Colômbia, Afeganistão. Pela sua rentabilidade, as culturas de
drogas permitem compensar com vantagens a falta de ganhos registrados em outras
culturas.
Em 1985 na
Bolívia sobe ao poder uma coalizão de direita. De acordo com DEL ROIO (1997, p
118):
(…)…foi
aplicada uma política econômica que levou os índices de desemprego a 30%. As
mineiras são fechadas, as atividades produtivas paralisadas e o que restava de
Estado social, desmantelado. O Fundo Monetário Internacional aconselha e
pressiona para a liberalização geral. O presidente Paz Estenssoro, com o
decreto DS 21.060 declara que todas as moedas cotadas podem ser depositadas nos
bancos bolivianos, em qualquer quantidade e sem controle nenhum, com respeito
total ao sigilo bancário em relação a sua proveniência. Os aplausos dos
organismos econômicos internacionais foram generalizados. Significou o sinal
verde para grandes investimentos na coca. Ela se transformou em fonte de
sustento para uma boa parte dos bolivianos, mergulhados na miséria. Aconteceu
que em pouco tempo no planalto de Chapare[2], o melhor terreno para a plantação, a
população passou de 20 mil habitantes para 200 mil. Caso quase único de
esvaziamento das cidades e retorno ao campo.
A cocaína
Testemunhos
arqueológicos do consumo da folha de coca pelos indígenas nos Andes (Peru) datam de 2.500 AC. O governo Inca tinha o
monopólio da coca mas a distribuía com moderação apenas para usos rituais. De
acordo com SOMOZA (1990, p 18):
A coca está
ligada às origens das diversas culturas andinas, fazendo parte da economia do
império Inca, baseada na troca, mas também na farmacopéia, tendo sido utilizada
pelos médicos indígenas na cura e prevenção de diversos males e para amenizar
dores.
No entanto:
(…) após a
invasão espanhola, conhecida como ‘descoberta’ (séculos XV-XVI), a coca passou
a fazer parte da economia colonial…Os espanhóis tinham interesse na difusão do
hábito de consumir coca, pois era, de um lado, meio de sustentação da população
explorada e de outro, produto a ser comercializado em larga escala em todo o
país.
Os espanhóis
a época da colonização estimulavam o consumo e o comércio de coca. Era um
grande negócio. A Igreja católica cobrava dízimos sobre a nova mercadoria.
Portanto, o uso da folha de coca na sociedade colonial começa a mudar quando:
(…) o boom
da coca observou-se na metade do século XVI ligado ao desenvolvimento de outras
atividades que concentrou milhares de índios nas zonas ricas em minérios…Essa
grande massa de trabalhadores escravos tinha que ser mantida pela estrutura
estatal colonial e a coca revelou-se o produto mais econômico, devido às suas
características nutritivas e vitamínicas. Então, consumida em larga escala,
permitia manter os mineiros vivos com uma pequena porção de batatas e feijões,
pelo menos durante o período útil de sua vida, isto é, dez a quinze anos.
O interesse
pela cocaína na história recente começou pelo seu isolamento químico em 1858-60
pelo alemão Albert Newman. A folha de
coca possui cerca de 250 variedades mas, apenas 2 são ricas em alcalóides,
componente químico necessário para a sua transformação em cocaína. A cocaína a
partir de sua purificação passou a ser utilizada apenas para fins médicos.
No final do
século XIX o uso de cocaína se alastrou e, algumas bebidas como o Vinho Mariani
e a Coca-Cola apresentaram concentrações razoáveis da substância por vários
anos. A partir da década de 1960 a cocaína passou a ser utilizada pelas elites.
A cocaína só se tornará uma droga mais “popular” na década de 1980 com a queda
dos preços das matérias primas no mercado mundial e a narco-reciclagem das
economias.
O ópio
Originário
do Oriente médio e introduzido pelos árabes na Índia e na China, é derivado da
palavra grega que significa “suco”, e é extraído do fruto da papoula podendo
ser fumado, ingerido ou injetado causando exagerada dependência. Os efeitos do
ópio causaram a desintegração social na China dos séculos XVIII e XIX por
ocasião da introdução massiva da droga feita por portugueses e depois os
ingleses, facilitando a desestruturação social, resultando na invasão da China
(na chamada “guerra do ópio”).
A maconha
Conhecida a
cerca de 12.000 anos. Com a planta os gregos e os chineses faziam cordas que
eram utilizadas em navios. Como medicamento começou a ser usada na China há
3.000 anos no tratamento intestinal, de malária e dores reumáticas.
Defensores
da legalização da maconha propagam a idéia de que a cannabis seria uma “droga leve”. No entanto ao se comparar
a maconha com a nicotina, o médico Phd LARANJEIRA (2001, p 17, 18) afirmará
que:
(…) o fato
do usuário de maconha reter a fumaça por mais tempo nos pulmões do que o
fumante de cigarro comum facilita o aparecimento e o desenvolvimento do câncer.
Além disso, a maconha é fumada sem filtro e sua fumaça tem cerca de 50% mais
substâncias cancerígenas, o que contribui para um risco maior de
desenvolvimento de câncer. Certamente as alterações cerebrais produzidas pela
maconha são mais pronunciadas do que as produzidas pela nicotina. A maconha
provoca alterações significativas no eletroencefalograma e no fluxo sanguíneo
cerebral. Ademais, causa alterações consideráveis de memória e de capacidade
mental, além de problemas psiquiátricos que a nicotina não causa.
O uso
medicinal da maconha pode servir para o tratamento de depressões, convulsões,
glaucoma, náuseas, apetite, mas a substância que auxiliaria nesse papel
terapêutico é o THC, justamente o componente químico que traz os efeitos
psicoativos.
O álcool
Mas a droga
e o capitalismo não estão unidos apenas no que diz respeito às drogas ilegais,
mas também na comercialização e abuso de drogas legais. ENGELS (1986, p 122,
123) demonstrará o papel destruidor do álcool no seio da classe operária
inglesa do século XIX como o único consolo e lazer, a única maneira de se
suportar a dor da jornada de trabalho:
(…)…há ainda
outras causas que enfraquecem a saúde de um grande número de trabalhadores. Em
primeiro lugar a bebida. Todas as tentações possíveis se juntam para levar o
trabalhador ao alcoolismo (…) O trabalhador…tem uma necessidade urgente de se
divertir. Precisa de qualquer coisa que faça o trabalho valer a pena, que torne
suportável a perspectiva do amargo dia seguinte…o seu corpo…exige imperiosamente
um estimulante externo…nessas condições, a necessidade física e moral faz com
que grande parte dos trabalhadores tenha necessidade de sucumbir ao alcoolismo
(…) que incitam o trabalhador (…) a certeza de esquecer sua embriaguez, pelo
menos por algumas horas, a miséria e o fardo da vida (…).o alcoolismo deixou de
ser um vício no qual se pode responsabilizar aquele que o adquire. Torna-se um
fenômeno natural, uma conseqüência necessária e inevitável de condições dadas.
Entre 1919 e
1933 vigorará a Lei Seca nos EUA na qual a comercialização de álcool será
proibida. Nesse período o consumo diminuirá (35% menor), por outro lado
favorecerá o comércio ilegal promovido pelas máfias -como a de Al Capone- lucrando com esse novo negócio (os preços foram
multiplicados de 3 a 4 vezes). No entanto, o retorno à legalização do álcool
como justificativa para se acabar com os lucros das máfias não impede que os
EUA estejam entre os primeiros países de mais alto consumo de bebidas
alcoólicas como prova que nem a repressão nem a legalização resolvem o
problema.
A dominação
colonial das grandes potências sobre os povos indígenas teve também no álcool
um de seus meios de extermínio mais importantes. A destruição pelo alcoolismo
foi utilizada amplamente pelos colonizadores brancos contra os indígenas na
América.
A revolução
de Outubro de 1917 na Rússia também teve que enfrentar o grave problema do
alcoolismo. O governo bolchevique proibiu a
fabricação e a distribuição de vodka. Não é causalidade que foi o governo de Stalin que reintroduziu o comércio de vodka no começo dos
anos 1930, por ocasião da coletivização forçada, o extermínio da resistência
dos trabalhadores e da oposição de esquerda.. Depois do fim da URSS, uma onda
de drogas “ilegais” invade as republicas ex-soviéticas.
Das
sociedades primitivas à sociedade capitalista
O consumo de
drogas se fez presente ao longo da história. Em determinadas sociedades se
tratava de um consumo local, geralmente moderado e vinculado a práticas
culturais e religiosas. A utilização de drogas fora de qualquer marco
cultural-religioso ocorre apenas quando a droga se converte em mercadoria. A
produção massiva ocorrerá apenas a partir da Revolução Industrial (o ópio[3] se converte em morfina e heroína e a folha de
coca em cocaína no final do século XIX, início do século XX).
O poder de
vício das drogas aliás, vem aumentando. Traficantes misturam à cocaína outros
produtos como talco, açúcar, pó de vidro, farinha, para que a droga possa ser
vendida em maior quantidade e possa “render” mais. O conteúdo da substância
ativa da maconha (o THC), é cada vez maior. Era de cerca de 1% na década de
1960. Hoje, é cerca de 4%. Mas na Califórnia, EUA, maior produtora de maconha
do mundo a concentração é de 30%. Em países como a Holanda onde a droga é
liberada a concentração de THC é superior a 20% (LARANJEIRA, 2001). Ou seja,
legalizada ou não, a droga vem aumentando o seu poder viciante. Esses fatos
questionam a “bandeira” dos defensores da legalização da maconha por
considerá-la “droga inofensiva”.
Drogas na
guerra
Durante a
segunda guerra mundial a OSS (Oficina de Serviços Estratégicos) – antecessora
da CIA – estabelecerá contatos com a máfia italiana. Lucky Luciano, um dos principais traficantes
da época que estava na cadeia em Nova York condenado há 40 anos faz um acordo: em troca de informações de espiões
nazi-fascistas em sua terra natal ele e vários mafiosos italianos seriam
libertados das prisões. Depois de voltar a Itália em 1943 pelas mãos da OSS, Luciano construirá seu império através da heroína (DEL
ROIO, 1993).
A segunda
guerra mundial foi marcada entre outras coisas pelo uso generalizado de drogas.
Soldados de Adolf Hitler eram
movidos a drogas para continuarem “estimulados” no front. A droga utilizada no
caso era o perventin (conhecida
hoje como speed) na época
chamada de “a droga-milagre” do exército alemão. As tropas alemãs foram
abastecidas com milhões de comprimidos. Após ter sido lançando no mercado pela
primeira vez em 1938, desenvolvido pela companhia farmacêutica Temmler de Berlim, entre abril e julho de 1940, mais de 35
milhões de comprimidos de perventin foram enviados ao exército e à força aérea alemã.
Numa carta
com data de 09/11/1939, um soldado que estava na Polônia envia correspondência
aos seus pais em Colônia:
As coisas
não estão para brincadeira aqui, e eu espero que vocês vão entender se eu só
escrever para vocês uma vez a cada dois ou quatro dias. Hoje, eu estou lhes
escrevendo principalmente para pedir-lhes para me enviar mais um pouco de
perventin…; Amo vocês, Hein.
Em
20/05/1940 outra carta:
“Será que
vocês podem conseguir para mim uma maior quantidade de perventin, de modo que eu possa constituir uma reserva
aqui?” E, em outra de 19/07/1940: “Sem querer lhes pedir o impossível, por
favor, me enviem mais perventin”.[4]
Alguns anos
mais tarde, outra guerra será marcada pelo uso generalizado de drogas: a guerra
do Vietnã (1964-1975). Cerca de 30.000 soldados estadunidenses se tornaram
dependentes de drogas (maconha, heroína) para que continuassem estimulados no
front.
A década de
1980 foi marcada nos EUA pela pretensa “guerra às drogas”. O ex-presidente Ronald Reagan anunciou em 1986 a “cruzada contra as drogas”. Mas
será que interessa para os governos representantes da burguesia combater as
drogas?
A invasão no
Panamá
No início do
século XX, os EUA compraram o governo panamenho com 10 milhões de dólares para
se construir e administrar um canal que assegurasse a passagem de um oceano a
outro. Ao longo do tempo, ocorreram revoltas incentivadas por militares
nacionalistas. Aparece então em cena a figura de Manoel Antônio Noriega, agente da
CIA desde 1967 e chefe da polícia panamenha a partir de 1970. Em 1981 ocorre
misteriosa morte do presidente Omar
Torrijos.
Noriega participou de esquema clandestino organizado pela CIA de financiamento
das guerrilhas de direita (os “Contras”) contra o governo sandinista da
Nicarágua, operação que ficou mundialmente conhecida em 1986 como o escândalo
“Irã-Contras” (compra de armas no Irã para se financiar a guerrilha para
derrubada do governo e da revolução sandinista na Nicarágua). Noriega, que esteve na folha de pagamento da CIA, chegou
ao poder com um discurso nacionalista. Mas era um narco-traficante.
O Cartel de Medellín, com a ajuda de Noriega, exportou para os EUA entre 1984 e 1986, 2 toneladas de cocaína e 500
toneladas de maconha. A mídia nos EUA desenvolve uma campanha contra ele. Em
15/12/89 Noriega se proclama
chefe de Estado e se declara em “estado de guerra” com os EUA. Resultado:
13.000 marines invadem o Panamá e dão um golpe de Estado. O pretexto: “combate
ao narcotráfico”. O verdadeiro objetivo: se controlar o canal do Panamá.
O
Afeganistão
Em 1978
ocorre no Afeganistão um golpe de Estado. O novo regime iniciou uma campanha
antidrogas para erradicar a produção de ópio, provocando uma revolta das tribos
que a cultivavam para exportação. Os rebeldes Mujhaidines (base da futura Al Qaeda de Osama Bin Laden), apoiados
pela CIA, produziam ópio. A produção passou de 250 para 800 toneladas durante o
tempo em que a CIA enviava armas à guerrilha para se lutar contra os
soviéticos. Após assumirem o governo, os talibãs ordenaram em julho de 2000 a
destruição dos cultivos de papoulas.
A produção
de drogas foi retomada depois da invasão militar dos EUA ao Afeganistão em
2001. Após a invasão, o Afeganistão superou a Colômbia e se tornou o maior
produtor mundial de drogas (principalmente ópio e heroína) e, em 2003, o
negócio faturou 2,3 bilhões de dólares, mais da metade do PIB do país. O
Afeganistão produz atualmente 92% do ópio mundial.
O caso da
Colômbia
A Colômbia
produz cerca de 80% da cocaína do mundo e o narcotráfico representa 10% do PIB
num país com 60% de miseráveis. Isso só foi possível pois, na década de 1980,
com a queda dos preços das matérias primas no mercado mundial, os fazendeiros
deixaram de produzir café para produzir cocaína. O governo colombiano passa a
autorizar empréstimos externos nos quais os dólares eram trocados por pesos,
possibilitando que o dinheiro do narcotráfico ampliasse a atividade econômica.
Esse plano ficou conhecido como a Ventanilla
Siniestra. Com a introdução desse plano, diversos governos
colombianos deram anistias tributárias, por meio das quais foram incorporados e
legalizados os investimentos dos narcotraficantes (UPRIMIY, 1997).
Essa
verdadeira oficialização da lavagem fortaleceu o poder político dos
traficantes. O mega-traficante Pablo
Escobar será eleito para a Câmara dos Deputados. O
ex-candidato a presidente em 1989 Luis Galán defenderá a “guerra ao narcotráfico”. É fuzilado enquanto discursava no
palanque. Vários políticos, congressistas e até presidentes (como o ex Ernesto Samper e o atual Álvaro Uribe) são acusados de terem pertencido e serem financiados pelos Cartéis.
Militares colombianos e norte-americanos, membros da embaixada dos EUA, estão
envolvidos com o narcotráfico. Em virtude do poder do narcotráfico nas
estruturas estatais a Colômbia é considerada um “Narco-Estado”.
Os EUA e a
União Européia investem bilhões de dólares com o chamado “Plano Colômbia”. No
entanto, com relação à suposta proposta de erradicação do tráfico, as áreas de
cultivos de coca variavam de 40.000 a 50.000 hectares entre 1986-1996 e, após o
Plano Colômbia, aumentaram drasticamente atingindo o máximo histórico de
169.800 hectares (em 2001). O exército colombiano utiliza desfoliantes químicos
que afetam a saúde humana, contaminam as águas e os animais, arruinando os
camponeses que vivem do cultivo da droga (ao invés de fomentar uma efetiva
política de substituição de cultivos).
O Plano
Colômbia representa uma ameaça a soberania dos países da América latina com a
justificativa para intervenções políticas e militares. O exemplo é a base
militar de Manta no Equador,
onde desde 1999 a CIA assessora o exército colombiano. O Plano Colômbia também
visa atacar as guerrilhas de esquerda que surgiram com base nos movimentos por
reforma agrária. Do ponto de vista geopolítico, os EUA procuram manter sua
dominação no norte da América do sul (região do canal do Panamá e de produção e
fornecimento de petróleo).
Através do
aparato militar estadunidense instalado no continente se instituem
mega-projetos financiados pelo Banco Mundial de constituição de hidroelétricas,
petrolíferas e empresas de mineração para se apossar dos recursos naturais da
Colômbia e de demais países da América latina.
O surgimento
do crack
Na década de
1980 jovens do bairro pobre de South
Central de Los Angeles, Califórnia, foram devastados pelo crack. Em 18/08/1996 o jornal local San José
Mercury News, publicou uma série de artigos sobre como a droga
se apoderou daquele território.
O que esteve
por trás de tudo: o escândalo Irã-Contras e as ligações entre a CIA, DEA
(Departamento Anti-Drogas) e os cartéis colombianos, protegendo a entrada de
drogas nos EUA para financiar os “Contras” na Nicarágua A citação é longa mas
merece ser reproduzida por extenso:
Os que
possuem boa memória se recordarão do processo contra o coronel Oliver North,
que terminou com sua condenação. Os autos desse processo demonstraram com nomes
e fatos que por vários anos a CIA e a DEA estiveram em contato com os chamados
cartéis colombianos, protegendo, a entrada de drogas nos Estados Unidos. Tal
operação servia para encontrar fundos ilegais para financiar as forças
opositoras ao governo sandinista da Nicarágua. Lembremos também que esses fatos
foram provados por uma comissão no Senado, presidida pelo já citado, senador
John Kerry.
É neste
clima que Danilo Brandon, pertencente a uma das famílias mais ricas da
Nicarágua e expoente do partido anti-sandinista Fuerza Democrática, entra em
contato com Ivan Meneses, pequeno criminoso, já fichado pela polícia
norte-americana. Juntos encontraram em Honduras um tal coronel Bermudez,
regularmente pago pela CIA, que lhes propõe traficar a cocaína da Colômbia para
o interior dos EUA para conseguir fundos. Entram em contato com o chamado
cartel de Cáli e tentam entrar no mercado de Beverly Hills, famoso bairro onde
se concentram os ricos de Hollywood. Porém os canais já estão ocupados.
Experimentam então com as zonas mais pobres de Los Angeles, mas a cocaína custa
muito caro para os bolsos dos jovens e o preço de mercado não deve ser rebaixado
porque entrariam em conflito com outras quadrilhas.
Os valentes
`combatentes pela liberdade` encontram-se num impasse, até que uma inovação
tecnológica vem resolver seus problemas. Através dos cristais que restam da
fabricação da cocaína, é possível fabricar uma droga muito mais barata e
mortal, adequada aos pobres, que será chamada de crack. Eis que os guetos
negros de Los Angeles, onde o desemprego juvenil chega a 45%, pode ser inundado
com o novo produto. Por cinco anos de 1982 a 1987, os contras nicaragüenses,
com a cobertura de organismos oficiais, despeja 100 quilos de cristais de coca
semanais sobre South Central. Os lucros são lavados em Miami e partem para a
América Central para alimentar a subversão contra o governo de Manágua.
Ao tomar
conhecimento desses fatos, a comunidade negra justamente se rebela e exige a
abertura de um processo que lance luz sobre os episódios e condene os culpados.
A reação da administração Clinton é hesitante, e faz-se de tudo para sepultar o
episódio. O jornal conservador Washington Post, mesmo reconhecendo que a CIA
conhecia pelo menos parte das atividades dos traficantes e que não fez nada
para bloqueá-los, tenta desmoralizar os artigos publicados pelo San José
Mercury News, dizendo que a quantidade de cristais de coca que entraram em Los
Angeles por mãos dos contras nicaragüenses não foram 27.000 quilos mas apenas
5.000!!!
Mesmo
aceitando a cifra menor acenada pelo Washington Post, isso significa algo como
10 milhões de doses. Além do quê, a partir dessa atividade criminosa exercida
contra os negros de Los Angeles, o crack espalhou-se pelas metrópoles dos
Estados Unidos e de vários países latino-americanos. Esta é uma história para
recordarmos quando vemos nas ruas de São Paulo as nossas crianças agonizando ou
cometendo crimes porque viciadas em crack. Agora sabemos quem são os primeiros
responsáveis, que elaboraram suas perversidades e decretaram que tantas
crianças não deveriam possuir sonhos e nem futuro (DEL ROIO, 1997, p 120, 121,
122).
Drogas contra o movimento operário e popular
O surgimento
do crack na década
de 1980 além de evidenciar o papel criminoso do governo estadunidense, tem por
antecedência o papel político que as drogas desempenharam nos EUA nas décadas
de 1960 e 70. É nesse período que surge em 1966 o Partido dos Panteras Negras,
organização – com ideais socialistas – da classe operária e da juventude negra
dos EUA que no seu “programa dos 10 pontos” afirmava:
Acreditamos
que o governo racista e fascista dos Estados Unidos usa de suas agências de lei
domésticas para a execução do seu programa de opressão contra o povo negro,
contra outras pessoas de outras etnias e contra as pessoas pobres nos Estados
Unidos. Acreditamos ser do nosso direito, portanto, defender-mos a nós mesmos
contra tais forças armadas, e de que todas as pessoas negras e oprimidas
estejam armadas para a autodefesa dos nossos lares e comunidades contra estas
forças policiais fascistas[5].
Defender a
auto-organização política e militar do povo negro na luta contra a opressão
social e racista do governo e da polícia tornou-se intolerável e uma
preocupação para a burguesia e seu governo. Além de destruir as sedes, prender
e assassinar os militantes Panteras Negras, a CIA e o FBI passarão em
associação com narcotraficantes da América latina a despejar toneladas de
cocaína, maconha, heroína, nos bairros negros visando a desarticulação
política, levando à dissolução do Partido.
ABU-JAMAL
(2001, p 96, 97, 98) ex-militante dos Panteras Negras, comentará o papel do crack nas comunidades negras nos EUA:
Um espectro
assombra as comunidades negras da América. Como vampiro, suga a alma das vidas
negras, não deixando nada senão esqueletos que se movem fisicamente mas que
estão afetiva e espiritualmente mortos. Não é o efeito de um ataque do Conde
Drácula nem de uma praga lançada por algum feiticeiro sinistro. É o resultado
direto da rapinagem planetária, das manipulações dos governos e da eterna
aspiração dos pobres a fugir, aliviar-se, ainda que brevemente, dos
paralisantes grilhões da miséria extrema.
A sua
procura de alívio se soletra C-R-A-C-K. Crack. Pedra. Chame como quiser, pouco
importa; ele é na verdade, uma outra palavra para “morte” nas comunidades
afro-americanas (…) A história recente, aquela dos anos 60, anos de protesto e
mobilização, conheceu, igualmente, um súbito aumento no consumo de drogas nos
bairros negros: pílulas variadas, maconha, heroína…A oposição radical da época
já desconfiava que a mão maldita do Grande Irmão tinha aberto as comportas das
drogas para sufocar a chama revolucionária negra de resistência urbana (…) A
época é sinistra para os africanos nos Estados Unidos. Nós sobreviveremos a
esse flagelo?
A lavagem do
dinheiro e os paraísos fiscais
Um dos
mecanismos fundamentais para a sustentação da economia da droga é o sigilo
bancário, um empecilho à investigação do dinheiro sujo, que só pode ser
quebrado por autorização judicial. O sigilo bancário, baseado no sagrado
“direito de propriedade” do capitalismo, é um dos trunfos do narcotráfico e do
sistema financeiro mundial, que absorve os lucros do crime sem perguntar pela
origem.
Os “paraísos
fiscais” são, como o próprio nome diz, o paraíso do capital financeiro, onde
não se pagam impostos e onde há um rigoroso sigilo bancário. Estima-se hoje em
40, os paraísos fiscais no mundo onde se lavam os narco-dólares.
Lavar
dinheiro significa reincorporar ao sistema financeiro os valores obtidos
ilegalmente. Existem diversas formas. Uma delas é transferir o dinheiro dos
paraísos fiscais para diversas outras contas ou fazer transações abaixo de 10
mil dólares (limite exigido para prestação de informações da Lei do sigilo
bancário nos EUA). Ou então, através da venda de cartelas dos bingos ou da
venda supervalorizada de jogadores de futebol.
O
capitalismo nunca foi tão propício a aplicações, transferências e especulações
beneficiadas pelas inovações tecnológicas e pelas “operações em rede”[6] do sistema bancário e financeiro. Segundo a
OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) estima-se que seja
lavado até 1,5 trilhão de dólares por ano no mundo.
No Brasil,
de acordo com o Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras), apenas
34 dos 50 maiores bancos informaram ao governo brasileiro sobre contas
suspeitas entre 1998 e 2002. A expansão do mercado ilegal de dólares
(contrabando, narcotráfico) desenvolveu esquemas para remessas ilegais de
divisas para o exterior. É o caso das famigeradas contas CC-5 (Carta Circular
n° 5, do Banco Central de 1969), destinadas à pessoas físicas ou jurídicas que
residem no exterior mas que movimentam dinheiro nas contas nacionais. Essas
contas são o verdadeiro esgoto pelo qual passam o dinheiro sujo provenientes de
atividades ilegais para o exterior e que é lavado e reinvestido na economia
“legal”.
Mundialização
do capital e economia da droga
A
superprodução de capital gera o crescimento da economia especulativa. A economia
especulativa, da qual os narco-dólares são um dos principais componentes passou
a parasitar a economia “real” sob a base da superexploração da força de
trabalho.
A “crise da
dívida” na década de 1980 levará às políticas de “ajuste estrutural” impostas
pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). A partir do período de domínio das
transações financeiras a economia mundial entrou num processo de estagnação. De
acordo com GLUCKSTEIN (1994, p 28, 29):
A explosão
do desemprego no mundo demonstra que os enormes lucros saídos da especulação
são obtidos ao custo de uma desindustrialização generalizada que arrasta a
destruição estrutural dos empregos… Desindustrialização e especulação avançam a
par: fusão, resgate de empresas, criação de instrumentos financeiros cada vez
mais numerosos, ‘junk-bonds’, especulação imobiliária, comércio da droga,
delitos de iniciados…Todos os especialistas estão de acordo que somente uma
fração mínima dessas transações (da ordem de 1 a 2%, segundo avaliações) está
relacionada com alguma atividade produtora de riqueza. Quanto à parte restante
(98 ou 99%), trata-se de transações unicamente destinadas a tirar partido da
menor variação do valor dinheiro para extrair uma fração suplementar da
mais-valia através da especulação.
No bojo do
processo de mundialização do capital e de liberalização (livre-comércio), o
lucro passou a se realizar de maneira ampla no terreno da especulação
financeira. IDEM (p 30, 31):
Lucros
excepcionais nas Bolsas sobre um pano de fundo de profunda recessão econômica.
Nunca, desde que o capitalismo existe, houve tamanha disparidade entre lucros
realizados com base na especulação e na finança e o desmoronamento da realidade
econômica…É esta a fonte de todo o caos, de todas as explosões.
Esse
processo de estagnação econômica favorecerá o desenvolvimento da economia da
droga tendo por base a desindustrialização, o desemprego e a devastação das
economias agrárias locais. Além disso, como os petrodólares que passaram a
irrigar o capital financeiro, a droga (narco-dólares) também irá contribuir com
o processo de valorização do capital, irrigando também o sistema financeiro.
Segundo
GLUCKSTEIN (1994, p 40):
No plano
financeiro, o mercado do petróleo e o da droga tem algumas semelhanças. Uma e
outra destas mercadorias tem preços que possuem uma relação muito longínqua com
o seu custo de produção…Mas a comparação para por aí. Se os petrodólares
permitiram criar a dívida dos países dominados, os narcodólares vieram
substituí-los para assegurar uma parte do pagamento dessa dívida. E, sobretudo,
não se fala das mesmas massas de dinheiro…se a relação entre o preço de
produção do petróleo e o seu preço de venda no varejo é de 1 para 40, os
cálculos efetuados pela Agência americana da luta antidroga (DEA) apontam para
uma relação de 1 para 200, para a cocaína, e 1 para 2000 para a heroína.
O
capitalismo mafioso é produto do crescimento desenfreado do capital financeiro
cuja avidez de ganância tem levado a transbordar todas as barreiras legais e
morais. Sua evolução vem associada a desregulação dos fluxos de capitais, à
privatização do Estado e a ruptura das formas tradicionais de funcionamento e
acumulação nas empresas. Pode-se muito bem dizer que a expansão mafiosa dos
anos 70, 80, 90, constitui um fato decisivo do processo de mundialização do
capital.
Legalizar as
drogas?
Um dos
argumentos a favor da legalização é que “não se pode destruir o comércio de
drogas” pois para o camponês o preço do acre da folha de coca é muito superior
ao do milho por exemplo (ARBEX, 1997). Mas, qual o significado
desse argumento?
Na Bolívia,
a plantação da coca é legal desde que utilizada em locais de cultivos
tradicionais e medicinais, em rituais religiosos, pelas culturas indígenas.
Mas, até o final da década de 1990, apenas 10% da folha de coca produzida era
utilizada de forma tradicional, enquanto que 90% constituía o “excedente”
destinado à fabricação de cocaína (URQUIDI, 2002, p 205). Na cadeia do
narcotráfico é reservada ao cocalero a menor parte dos lucros gerados pelo
comércio da droga o que, no entanto, não faz o camponês se libertar da situação
de pobreza em que vive. Fato esse que o IDH[7] (Índice de Desenvolvimento Humano) do Planalto do Chapare está abaixo da média da região de
Cochabamba.
O fato da
folha de coca representar para o camponês boliviano ou peruano a única saída de
sobrevivência é fruto da narco-reciclagem da economia, da destruição e
privatização de parte do parque industrial boliviano.
Uma das
formas de se combater as drogas significaria defender junto aos camponeses uma
política de substituição de cultivos. Defender a legalização das drogas com
base no critério do preço rentável da folha de coca significa ser conivente com
o narcotráfico.
Legalizada,
a droga entrará na lógica do “livre-mercado”?
Com a droga
legalizada o seu consumo explodirá, pois seu status de “proibido” será
derrubado atraindo muito mais gente para o consumo.
Sob o
capitalismo a droga é uma mercadoria, o tráfico se organiza como uma empresa
que objetiva o lucro. As máfias não deixarão de comercializar drogas. A
legalização do álcool não impede o contrabando de whisky por exemplo. Assim como a legalização do álcool ou
tabaco não impede que milhões morram de cirrose ou câncer de pulmão.
No tráfico
de drogas não existe um “livre-mercado”.
No caso da
coca o “livre-mercado” compreende no máximo as fases de transformação da
matéria-prima. Por outro lado, a distribuição e a venda são comandadas por um
número reduzido de grupos hierarquizados que controlam a fase mais rentável: a
transformação da pasta-base em cocaína. (KOPP, 1998).
A
Califórnia, maior região produtora de maconha do mundo, é comandada pelos
latifundiários da droga. O mesmo vale para os latifundiários de maconha no
nordeste brasileiro.
Legalizado,
o comércio de drogas continuará oligopolizado, além da oferta de drogas
aumentar, gerando lucros da mesma maneira para os narco-capitalistas.
Milton
Friedman, economista, defensor do imperialismo diz “sou a
favor da legalização de todas as drogas, não apenas da maconha” [8].
Friedman encabeça um abaixo-assinado junto com outros 500 economistas
estadunidenses pela legalização da maconha apoiados pela ONG Marijuana Policy Project[9]. O que está em jogo para esses capitalistas é
botar as mãos nesse rentável negócio que destrói a força de trabalho.
Segundo o
estudo bancado por essa ONG “o governo deixaria de gastar bilhões em
policiamento e arrecadaria bilhões de impostos”. Mas, esse mesmo estudo[10] afirma que com a legalização, lucrariam os
latifundiários do agronegócio e empresas de bebidas alcoólicas. Não haveria
nenhum boom de
plantadores domésticos (ao contrário de diversos defensores da legalização que
utilizam o slogan “não compre, plante”[11]). O comércio da droga como qualquer empresa
capitalista estará nas mãos dos oligopólios. E o consumo obviamente aumentará.
Não é a toa
que vários capitalistas já estão a espera da legalização para poder lucrar com
isso. É o caso do mega-especulador George Soros
que criou a ONG Lindesmith
Center pela legalização das drogas.
O próprio
estudo da ONG Marijuana Policy Project já cita os nomes das empresas que lucrarão com o novo negócio: os
agronegócios Areher Daniels Midland e ConAgraFoods e as empresas
de bebidas Constellation Brands e Allied Domecq.
Esse novo
negócio interessa tanto a vários capitalistas que, no Canadá por exemplo, a
maconha já rende mais do que o trigo girando cerca de 8,5 bilhões de dólares
(cerca de 2.400 toneladas). Esse valor é três vezes o valor gerado pelo trigo
canadense.
Muitos
intelectuais e juristas para justificar a legalização das drogas afirmam que “a
proibição gera o super lucro”. Como se o problema fosse o “super lucro” ou,
como se legalizado, os lucros do narcotráfico diminuiriam…
Esse tipo de
afirmação se baseia na crença de que as máfias das drogas sumiriam com a
legalização. Como se fosse possível “humanizar” o narcotráfico, transformando o
traficante em um “empreendedor”.
Ao se
defender a legalização das drogas, na prática, trata-se de defender os
interesses de vários setores da burguesia que querem lucrar com esse novo
negócio. É a defesa de uma política reacionária.
Redução de
danos e descriminalização?
Defensores
da legalização total ou de sua vertente, a descriminalização[12], (o tráfico é proibido mas o seu consumo
liberado) argumentam que com a droga liberada o seu uso seria
“controlado”, a droga seria de “melhor qualidade”. Mas, em países na qual a
maconha é liberada (Holanda) a concentração de THC é superior a 20% comparada a
média que é de 4% (LARANJEIRA, 2001, p 10). Ou seja, aumentando o seu poder
viciante.
O governo
Lula aprovou uma nova Lei sobre drogas (11.343/06) na qual o porte de droga
continua caracterizado como crime, mas prevê que os usuários e dependentes não
estejam mais sujeitos a prisão. O usuário será apenas advertido, prestará
serviços à comunidade, etc.
As propostas
de descriminalização são uma armadilha pois um traficante facilmente poderá
transportar pequenas quantidades de droga sob alegação de “uso pessoal”. Aliás,
burlar a lei é o que fazem os traficantes, no mercado financeiro com transações
abaixo de 10 mil dólares ou nas estratégias de defesa dos advogados do
narcotráfico.
Uma das
experiências de descriminalização das drogas foi a instituição de zonas livres
para o consumo de drogas em praças ou então a criação de “narco-salas”. Essa
política tem o nome de “redução de danos”. Como o próprio nome diz não se trata
de se eliminar as drogas mas, reduzir seus danos de uma maneira “controlada”.
Uma dessas
experiências foi a da praça Platzpitz em Zurique, Suíça, no
início da década de 1990. Pensava-se que liberando as drogas podia se controlar
seu uso. O que ocorreu foi o aumento da criminalidade e a disseminação do vírus
da Aids entre os freqüentadores. A área foi fechada em 1995.
Evidentemente
distinguimos o traficante e o usuário. O usuário deve se submeter a um
tratamento compulsório com todos os recursos disponíveis pelo Estado.
No entanto,
instituir narco-salas ou zonas livres significa partir do pressuposto que os
dependentes continuarão a se drogar, devendo então apenas se “reduzir os
danos”.
A utilização
de drogas acarreta uma doença crônica em que a recaída é a regra. Por isso,
permitir a utilização de drogas “sob controle” através de narco-salas é
absurdo. O uso contínuo de drogas acarreta doenças cerebrais e psíquicas,
agravadas pelo caráter viciante do produto, comprovado cientificamente
(LARANJEIRA, 2001).
Tratar
realmente o usuário significa o governo bancar uma ampla rede pública com
centros de tratamento com profissionais bem treinados. Os governos devem
efetivamente combater pela eliminação do consumo e não destinar parcos recursos
que não fazem outra coisa que manter os toxicômanos se drogando sem
reabilitá-los, apenas “reduzindo danos”.
Conclusões
A economia
da droga é parasitária, não contribui para melhorar as condições de vida das
populações e arruína o componente decisivo das forças produtivas: o
trabalhador. A economia da droga é uma força destrutiva pois destrói a força de
trabalho se alimentando do desemprego, da desindustrialização, e da
narco-reciclagem das economias agrárias.
Combater a
produção de drogas exigiria que fossem completamente questionadas as políticas
de “ajuste estrutural” sob a qual o tráfico encontra seu sustento
(privatizações, demissões, sub-emprego). A luta contra a lavagem exigiria um
ataque a todo o sistema mundial de circulação de capitais.
Portanto,
não é a toa que, de acordo com GLUCKSTEIN (1994, p 41):
(…) se o
dinheiro da droga fosse suprimido, seria um setor inteiro das fontes da
atividade especulativa que desapareceria, o qual estima-se, tem uma progressão
de cerca de 2 trilhões de dólares por ano, desde o início da década de 80.
Pode-se mesmo dizer que, na falta de uma política de conjunto de erradicação da
economia da droga, o imperialismo está empenhado numa via que é a do controle
sobre os fluxos de capitais resultantes do tráfico de droga. A tal ponto que
existem cada vez mais vozes a defenderem a legalização pura e simples do
narcotráfico.
Todos
aqueles que defendem a emancipação política e social da classe trabalhadora
devem abordar o problema da droga do ponto de vista da luta de classe para
defendermos os direitos e a própria existência dos trabalhadores e de suas
organizações o que inclui a defesa da própria saúde. A droga não é apenas
contra-revolucionária. A droga é uma forma privilegiada de ataque contra a
classe operária e em especial contra a juventude operária.
Uma
plataforma mínima contra as drogas significaria: fazer a reforma agrária nas
terras em que se produz droga e incentivar a política de substituição de
cultivos; confiscar todo o dinheiro e as propriedades oriundas do tráfico e da
lavagem; acabar com o sigilo bancário e centralizar o crédito nas mãos do
Estado (nacionalização dos bancos); defender um tratamento público, eficaz e
humanitário aos dependentes de drogas com recursos suficientes bancados integralmente
pelo Estado; por fim, uma política que gerasse emprego para todos, começando
pela redução da jornada sem redução de salário.
O fim da
droga não ocorrerá pelo capitalismo. Somente a expropriação do capital, a
liquidação do Estado burguês, a liquidação da exploração, ou seja, somente com
a revolução proletária, o problema da droga poderá ser cortado pela raiz.
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