sábado, 27 de novembro de 2010

Sociólogo vê alarme exagerado com arrastões no Rio de Janeiro

Apesar dos arrastões registrados no Rio no fim de semana e nesta segunda-feira, o sociólogo Ignácio Cano diz que ainda é cedo para falar em uma “onda” de crimes do tipo.

Pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), ele prefere se ater às taxas oficiais de violência – que indicam queda na incidência de roubos nos últimos anos.

De acordo com Cano, a ideia de que os assaltos seriam uma retaliação de criminosos às Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), como afirmado nesta segunda-feira pelo governador Sérgio Cabral, ainda é mera especulação.

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O Rio vive em clima de tensão com uma série de assaltos a motoristas em vias da cidade e da região metropolitana desde o fim de setembro. Nos ataques, criminosos bloqueiam o trânsito com seus carros e assaltam motoristas e pedestres, às vezes levando seus carros ou mesmo ateando fogo a eles.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista com Cano:

BBC Brasil - Em sua opinião, a que se deve a onda de arrastões na cidade?

Ignácio Cano - Tenho ressalvas em relação a afirmar que temos uma onda de arrastões. Não há uma contabilidade oficial de arrastões, porque não é um termo técnico na área de segurança, e sim um termo difuso aplicado a um roubo em série.

Mas tem muito peso no Rio, porque remete àqueles arrastões na praia que geraram um pânico muito grande nos anos 1990. A praia é o lugar de lazer por excelência no Rio, e a ideia de que poderia se tornar um espaço perigoso teve um impacto muito grande na época.

Os arrastões remetem a esse mesmo temor. Mas, se você analisa o número de roubos, houve uma redução muito grande nos últimos anos. Acho que não precisaria desse nível de alarme social que está sendo criado.

BBC Brasil - O senhor acha que existe uma tendência à dramatização?

Cano - Sim, com certeza. As pessoas lidam com insegurança no Rio de forma cíclica e dramática. Para conviver com o alto nível de violência na cidade, as pessoas tratam como se ela não existisse. Mas, então, surge um evento de grande repercussão e vira uma pauta central na cidade, todos discutem, é uma grande catarse.


Importante é observar que houve queda na criminalidade, diz analista
Você pode escrever o histórico da segurança pública no Rio a partir desses eventos, como o ônibus 174, a chacina da Baixada, o caso do menino João Hélio, os traficantes no hotel de São Conrado.

Na verdade, o que acontece na cidade é muito mais amplo e muito mais grave, mas as políticas públicas são desenvolvidas em função desses grandes eventos, que estão sempre vinculados à classe média alta ou às áreas mais nobres. A atenção depende basicamente do perfil das vítimas.

Para democratizar a segurança pública, as políticas públicas devem vir não em função desses grandes eventos, quase sempre em áreas da zona Sul, e sim basear-se nas taxas de violência.

BBC Brasil - Nesta segunda-feira, o governador Sérgio Cabral afirmou que os arrastões são claramente uma reação ao cerco imposto aos traficantes pelas UPPs. O senhor concorda com essa teoria?

Cano - Não temos como avaliar. Pode ser ou pode não ser. Gostaria de ter uma contabilidade mais confiável para saber se é uma onda de arrastões ou não, e o que está aumentando. Para mim, é mais importante observar número de roubos que vem diminuindo do que o de arrastões.

É claro que, na zona Sul, o perfil do crime vem mudando com o avanço das UPPs. O tráfico perdeu o controle territorial e teve que mudar de estratégias. Mas não sabemos como isso está afetando esses grupos financeiramente. Se a coisa tiver apertando, o roubo pode ter passado a ser uma alternativa.

BBC Brasil - O reconhecimento de uma relação com as UPPs por parte do governo pode mudar algo nas estratégias de Secretaria de Segurança do Rio?

Cano - Acho que essa afirmação é uma forma de o governador dizer que isso está acontecendo porque estamos ganhando uma batalha maior. Como se fossem os efeitos colaterais, diante de um trunfo maior.

O perigo, aqui, é as classes médias acharem que a sua segurança está sendo comprometida por causa das UPPs.

Se passarem a acreditar que o investimento nas UPPs é contraproducente para quem não mora nas favelas, isso poder acabar com a sustentabilidade política do projeto. Sérgio Cabral sempre fez questão de associar a expansão das UPPs a benefícios também para o asfalto, justamente para não correr esse risco.

BBC Brasil - Tirar o tráfico das comunidades é um mérito reconhecido das UPPs. Mas o que precisa ser feito para erradicá-lo?

Cano - O objetivo das UPPs não é e nem pode ser erradicar o tráfico. Ninguém erradica o tráfico, ele existe na Dinamarca, no Canadá. A questão é conseguir reduzir os níveis da violência e de controle da população por grupos armados. Os moradores agora podem voltar para casa quando quiserem, andar pelos becos, não há confronto armado.

BBC Brasil - Diante da queima de carros e do lançamento de uma granada em um veículo da Aeronáutica, no domingo, alguns jornais falaram no uso de táticas de guerrilha.

Cano - Mas não se pode falar nisso aqui. Não há uma guerrilha que queira tomar o poder. O verdadeiro crime organizado não é o que vemos nas favelas, e sim o que está infiltrado em todos os Poderes. Esse crime organizado existe, e seu objetivo é parasitar o aparato do Etado para continuar extraindo lucros. Mas é outro nível, bem diferente de distribuir papelotes de cocaína.

No Brasil, há um medo de que a exclusão social se traduza, em algum momento, em violência política, como na Colômbia. Cada vez que há um episódio mais grave, cada vez que um preso menciona o Che Guevara ou apresenta ideias mais politizadas, volta a se falar em guerrilha, em terrorismo, no perigo de uma "colombianização" do Brasil.

BBC Brasil - Como o senhor acha que a população deve avaliar a situação?

Cano - Acho que a gente tem que olhar mais para os números e para as taxas de incidência criminal, que estão caindo, e menos para o que aconteceu (nos últimos dias). Antes, 20 pessoas podiam morrer numa madrugada e ninguém ficar sabendo. Agora, se tem um arrastão, isso gera um pânico e ninguém pensa em outra coisa. Então, é importante olhar para o quadro mais geral.

Policiais militares matam 56,5% mais no Estado de SP

Fernanda Aranda - O Estadao de S.Paulo
O número de mortes cometidas por policiais militares no Estado de São Paulo cresceu 56,5% no segundo trimestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Proporcionalmente, o aumento da resistência seguida de morte - classificação oficial das ocorrências - foi o maior entre todas as modalidades criminais mapeadas pela Secretaria da Segurança Pública (SSP), uma vez que homicídios, roubos e latrocínios tiveram altas de 11%, 18,8% e 36,5%, respectivamente.


Em abril, maio e junho do ano passado, 99 pessoas foram mortas por policiais, quantidade que subiu para 155 no mesmo intervalo dos mesmos meses deste ano. O avanço, lembra o Comando da PM, está em um contexto de aumento geral da criminalidade paulista (mais informações nesta página), mas essa não seria a principal razão para a escalada dos índices, segundo o presidente da Comissão de Justiça e Segurança Pública do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), Renato De Vitto.


"Só as estatísticas são frágeis para atestarmos se cada óbito foi, de fato, legítima defesa do policial", opina. "Eu avalio que esse aumento de mortes tem mais relação com a estratégia policial de combater crimes, da cultura de agir mais letal."


Além da questão cultural, o ouvidor das Polícias Civil e Militar do Estado, Luiz Gonzaga Dantas, que recebe e apura denúncias sobre supostos abusos da violência, disse acreditar que o aumento de mortes cometidas por policiais é resultado da forma como os casos são tratados pela própria corporação. "Chegam a nossas mãos muitos boletins de ocorrência que são registrados como crime contra o patrimônio, crimes contra administração pública e o evento morte de um suspeito não é notificado", afirma. "Isso faz com que as mortes cometidas por policiais não sejam investigadas como deveriam, o que resulta em impunidade de um policial que pode ter cometido abuso."


Um dos casos que está sendo investigado pela ouvidoria é referente a dois adolescentes de Santo André, no ABC paulista, que foram mortos em junho deste ano. O caso foi registrado como crimes contra o patrimônio e resistência, uma vez que a polícia afirma que eles estavam em atitude suspeita para roubo de veículos. Os dois jovens - depois de mortos foi apurado que tinham 15 e de 16 anos - supostamente entraram em confronto com policiais que não estavam em viaturas caracterizadas. Um deles teria disparado contra os PMs, mas os dois tiros falharam. Ele, então, foi atingido e morreu no local. O outro rapaz, diz o BO, tentou fugir a pé, disparou contra os policiais, e morreu também.


O número de PMs mortos em serviço também subiu na comparação entre o 2º trimestre deste ano com o de 2008, de 4 casos para 9 (25% de acréscimo). O saldo dos confrontos, no entanto, termina com, em média, um policial morto para cada 17,2 civis assassinados por um tiro disparado por um policial paulista.


Atualmente, 9% do total de homicídios (contando os assassinatos com intenção de matar e os mortos por policiais) estão concentrados nas mãos de PMs. A situação paulista, que já foi muito pior no início dos anos 1990 - quando 1.200 pessoas eram mortas por ano pela polícia - é melhor do que a do Rio: os policiais fluminenses são responsáveis por 18% das mortes.


"Além das atitudes dos policiais, é preciso responsabilizar por essa situação o discurso das autoridades, de alguns secretários de segurança, que incitam a violência e valorizam a atitude do policial truculento", diz Jorge Dias, coordenador de Estudos e Pesquisas em Ordem Pública, Polícia e Direitos Humanos da Universidade Estadual do Rio. "A sociedade também legitima essa violência, apoia esses atos." Pesquisa feita em dezembro de 2008 pela Secretaria de Direitos Humanos, do governo federal, mostrou que 43% da população concorda com a frase "bandido bom é bandido morto".